Revista do Brasil entrevista Tereza Cruvinel

A edição de fevereiro da Revista do Brasil traz uma entrevista com a jornalista Tereza Cruvinel, presiedente da TV Brasil, recém-lançado canal público de televisão, além de reportagens sobre a destinação dada a recursos obtidos com royalties de petróleo e a privatização da Cesp, promovida pelo governo de José Serra. Abaixo, publicamos trecho da entrevista. Leia a íntegra e outras matérias no site da Revista do Brasil.

Uma TV do tamanho do Brasil

A jornalista Tereza Cruvinel conta por que aceitou o desafio de presidir a nova TV pública, uma iniciativa que pode mudar o panorama da comunicação brasileira

Por Spensy Pimentel

No último dia 2 de dezembro, os brasileiros acompanharam o lançamento do que vem sendo apresentado como a maior revolução da TV nas últimas décadas, o padrão digital de transmissão. Um dia depois, estreou o telejornal Repórter Brasil, primeiro produto da TV Brasil, canal público criado pela fusão de duas instituições federais, Radiobrás e TVE. A idéia é que a TV Brasil funcione como articuladora de uma grande rede de canais públicos. Hoje é transmitida diretamente no Rio, Brasília, Maranhão (canal 2) e São Paulo (UHF – canal 68). Em breve, será transmitida em São Paulo por meio digital. Pelo menos 18 outras emissoras educativas, universitárias, comunitárias já retransmitem total ou parcialmente sua programação, em ao menos oito estados. TVs a cabo também retransmitem. Novos programas devem ser lançados nos próximos meses. O Repórter Brasil vai ao ar às 8h e às 21h. A nova Empresa Brasil de Comunicação incluirá uma rede de rádios e de canais na internet – já controla as rádios Nacional e MEC e o site www.agenciabrasil.gov.br, uma das maiores agências de notícias do país, atualmente. A iniciativa pode, afinal, fazer valer o preceito constitucional de que o país deve ter três esferas de comunicação: privada, estatal e pública. Desde 1988, a criação da EBC é a medida mais importante no sentido de desenvolver o terceiro elemento dessa trindade.

Para comandar um orçamento de, inicialmente, R$ 350 milhões, foi indicada a jornalista Tereza Cruvinel, de 51 anos. Como presidente da EBC, ela tem mandato de quatro anos e responderá a um conselho curador formado por 15 representantes da sociedade e quatro ministros de Estado. Mineira de Coromandel – cidade do “sertão que foi ambiência de Guimarães Rosa”, como ela define -, divorciada, mãe de um filho, Tereza migrou nos anos 70 para Brasília . Militou no movimento estudantil, foi perseguida pela ditadura, viveu na clandestinidade. Voltou para a universidade, formou-se e, em pouco tempo, tornou-se uma das mais respeitáveis colunistas políticas do país. Ao aceitar o desafio de dirigir a EBC, Tereza abdicou de uma bem-sucedida carreira de mais de 20 anos na maior empresa privada de comunicação do país. A decisão tem relação profunda com uma trajetória pessoal sintonizada com momentos importantes da história política do país nas últimas décadas. E também reflete a decepção com o ambiente “envenenado” no jornalismo brasileiro. “O jornalismo não pode ser chapa-branca, submisso, oficialesco. Mas, quando passa a ter a obrigação de fazer oposição, também isso não é liberdade de imprensa”, diz.

Revista do Brasil – No período de reascensão do movimento sindical, fim dos anos 1970, você teve a experiência de trabalhar como operária, enquanto vivia na clandestinidade. Como é trabalhar no governo de um presidente cuja carreira emergiu naquela época?

Tereza Cruvinel – Para mim, ajudar a construir a TV Brasil e a rede pública de comunicação no governo Lula é um reencontro com minha trajetória. Essa mudança de rumo, que desconcertou e surpreendeu muita gente, é coerente com minha história de vida. Conheci o presidente nessa fase em que muitos militantes de classe média, dos movimentos estudantil, sociais e políticos foram surpreendidos pela ressurreição do movimento sindical. Houve uma corrida ao ABC para participar das discussões da criação do novo partido.

Qual o balanço que você faz da imprensa nesse período?

Depois da Anistia voltei à Universidade de Brasília para concluir o curso de Jornalismo. Por opção profissional e por acreditar que a imprensa jogaria um papel muito construtivo na democratização. E jogou. Ter ocupado um espaço privilegiado, nesse período tão importante, foi uma experiência profissional gratificante e politicamente importante. Havia um sentido de militância no jornalismo. Na noite em que a Emenda das Diretas foi derrotada no Congresso – fotografias registram isso -, jornalistas também choraram com a derrota popular. E ninguém disse que aquilo era falta de isenção ou deslize profissional. Hoje, para ser politicamente correto, um jornalista tem de praticamente se despojar da própria cidadania.

Hoje parece haver outro entendimento em parte da sociedade, há quase uma oposição entre jornalismo e “política”.

O jornalismo brasileiro entrou numa fase de grande profissionalização, passou a experimentar a plena liberdade de imprensa, o que não acontecia havia muitos anos. Antes do golpe de 64, a imprensa brasileira era ainda muito partidarizada. Não só da esquerda, os grandes jornais também. Você tinha empresas jornalísticas com alinhamento partidário explícito: jornais pró-Getúlio, jornais udenistas. Ao longo da ditadura, o jornalismo – e a imprensa alternativa, particularmente – confundiu-se muito com a luta pela democratização. A ditadura, sua brutalidade, a censura, a falta de liberdade, tudo contribuiu para que todos estivessem do mesmo lado. A imprensa empresarial, a “imprensa burguesa”, como dizia a esquerda então, também participou dessa resistência, adotando comportamentos ora mais, ora menos edificantes.

Quais as conseqüências das recentes mudanças?

O padrão profissional que se impôs na imprensa teve seu lado positivo, mas houve também um despojamento do sentido missionário do jornalista, com a chegada ao mercado de jovens jornalistas, que não viveram aquele tempo. Essa nova geração tem atributos excelentes, como a sintonia maior com as tecnologias, mas vê outro sentido na profissão. Sou de uma geração que via no jornalismo, mais que uma profissão, um serviço público e também uma forma de participar das lutas por um país mais democrático e mais justo. Essas diferenças afloraram muito e creio que estejam na raiz de algumas condutas. Por exemplo, o comportamento patrulheiro que se estabeleceu, no sentido de exigir dos jornalistas absoluta hostilidade ao governo Lula. O mero acesso ao presidente ou a outras fontes do governo, que sempre foi visto como bom atributo de jornalistas, passou a ser visto como deslize. Eu, por exemplo, promovi em 2004 um jantar entre o presidente e um grupo de jornalistas, na crença de que contribuía para melhorar o relacionamento, e o fato foi apontado como delito profissional. Em outros governos, seria considerado normal.

Houve até a publicação de “listas” de jornalistas que seriam apoiadores do governo.

Essa coisa de “denunciar” as pessoas como lulistas ou não-lulistas, como se jornalistas tivessem obrigação de ser anti-lulistas, esse comportamento macarthista (referência ao senador americano Joseph MacCarthy, que nos tempos da Guerra Fria capitaneou a perseguição a jornalistas e artistas tidos como de esquerda) me surpreendeu, sim. Sempre fiz uma coluna com muita liberdade – e nunca deixo de reconhecer que as Organizações Globo me proporcionaram condições excelentes para realizar meu trabalho de analista política -, mas fui ficando cada vez mais chocada e decepcionada com o ambiente envenenado. Certa vez o presidente disse: “Houve momentos no Brasil em que era proibido falar mal de governos. Hoje é proibido falar bem”. O jornalismo não pode ser chapa-branca, submisso, oficialesco. Mas passar a ter a obrigação de fazer oposição também não é liberdade de imprensa. Apesar dos prognósticos de que a TV Brasil seria chapa-branca, estamos fazendo jornalismo pluralista e equilibrado, ampliando a oferta de informação.

Leia a íntegra da entrevista no site da Revista do Brasil

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