Bancos brasileiros ameaçam comércio com o Irã, diz embaixador iraniano

Valor Econômico
Marcos de Moura e Souza

O embaixador do Irã em Brasília acusou bancos brasileiros de estarem pondo em risco as relações comerciais entre os dois países, intensificadas pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad.

A crítica diz respeito à resistência dos bancos a participar de operações de exportações para o mercado iraniano. Essas resistências aumentaram este ano, após a imposição de sanções internacionais ao Irã por conta de seu programa nuclear.

Em termos pouco usuais para a linguagem diplomática, o embaixador Mohsen Shaterzadeh, disse em entrevista ao Valor, na quarta-feira, que, se as dificuldades permanecerem, seu país começará a substituir fornecedores brasileiros por de outros países.

As sanções impostas a Teerã pelos Estados Unidos, pelas Nações Unidas e pela União Europeia têm desencorajado o envolvimento dos bancos – do Brasil e de outros países – em apoiar as vendas para os iranianos. Além disso, há o temor das instituições brasileiras, principalmente daquelas que têm papéis nas bolsas nos EUA, de sofrer algum tipo de retaliação.

Nenhuma das sanções restringe a venda de alimentos para o Irã. O problema, para os iranianos, é que restrições financeiras dificultam indiretamente a importação de qualquer produto que precise da intermediação bancária.

O Irã é atualmente um dos principais mercados da carne bovina exportada pelo Brasil. O país passou a rivalizar com a Rússia como maior comprador. Além da carne, produtos como açúcar, milho, derivados de soja e carne frango lideram a pauta brasileira para o Irã. As exportações totais para o país passaram de US$ 292 milhões, em 2000, para quase US$ 2 bilhões, valor estimado para este ano.

Exportadores atribuem o aumento das vendas em parte à aproximação forjada por Lula entre o Brasil e Irã. O embaixador, no entanto, vê um risco a esse avanço.

“Infelizmente, o comportamento dos bancos brasileiros não é aceitável, não é um comportamento adequado nesse sentido. Até esse momento, o Irã mostrou boa vontade em resolver essas questões, esses obstáculos.

Mas, se os bancos brasileiros quiserem continuar com esse comportamento, certamente nós teremos de fazer uma revisão da importação de carne brasileira. Essa revisão pode ser até de outros produtos que nós importamos, como soja, açúcar, óleo, e facilmente nós podemos substituir esses produtos que importamos do Brasil pelos de outros países.”

Bancos brasileiros têm se recusado a financiar exportações para o Irã. Têm se recusado ainda a confirmar as garantias de bancos iranianos para viabilizar as vendas.

Para vender para o Irã, os exportadores brasileiros em geral recorrem a garantias bancárias mais abrangentes do que quando lidam com mercados tradicionais. As operações começam do lado iraniano: o importador pede a um banco do país uma garantia de crédito.

Essa garantia precisa ser confirmada por um banco internacional de primeira linha. O pagamento chega às mãos dos exportadores – no caso brasileiros – por meio de um banco no Brasil.

Mas bancos europeus se retiraram das operações de confirmação das garantias de crédito após as sanções, o que levou as empresas brasileiras a buscar bancos árabes.

Embora tenham estrutura, grandes bancos do Brasil evitam a fazer a confirmação das garantias e a participar da internalização dos recursos pagos pelos iranianos.

“Essa é a primeira vez que estou falando sobre o comportamento dos bancos. Antes disso, tivemos muitas conversas com autoridades brasileiras. As empresas iranianas e as empresas brasileiras gostam de trabalhar em conjunto, mas infelizmente o comportamento dos bancos brasileiros não é lógico”, disse Shaterzadeh.

Apesar das dificuldades, as vendas brasileiras ao Irã ainda estão crescendo. No caso da carne bovina, o Brasil exportou 89 mil toneladas em 2009, segundo o embaixador. Entre janeiro e setembro deste ano, as vendas já estavam em 160 mil toneladas.

Segundo ele, esse é um dos resultados do interesse das empresas de ambos os lados e das gestões de Lula e Ahmadinejad para reforçar as relações econômicas e políticas. “Pelas informações que temos recebido, as autoridades brasileiras estão, de certa forma, resolvendo esses problemas, mas não temos muito tempo.”

Em agosto, conforme publicou o Valor, a Caixa Econômica Federal se preparava entrar nas operações de financiamento das exportadores brasileiras para o Irã e tentar compensar a ausência dos bancos privados. A reportagem questionou o banco ontem sobre a sua atuação em relação ao Irã, mas a assessoria de imprensa da Caixa não respondeu até o fechamento desta edição.

Shaterzadeh, que está à frente da embaixada desde 2008, não é diplomata de carreira. É a primeira vez que atua como embaixador . Doutor em engenharia de materiais pelo Instituto de Nacional de Ciências Aplicadas de Lyon, na França, Shaterzadeh foi vice-ministro de Economia e Relações Internacionais de 2005 e 2008 e secretário de comissões conjuntas do Irã com países como Venezuela, Bolívia, Cuba e Nicarágua.

Para ele, as relações com o Brasil estão no melhor momento da história. Lembra que Lula e Ahmadinejad estipularam como meta ampliar a corrente de comércio para US$ 10 bilhões em cinco anos (meta ambiciosa, pois supera o comércio de 2009 do Brasil com a Itália). Mas isso, diz ele, se os obstáculos financeiros forem vencidos.

“Se o Brasil quer ativamente desenvolver as relações comerciais com o Irã certamente tem que mudar o comportamento dos bancos brasileiros. Consideramos essa resolução do Conselho de Segurança da ONU injusta e ilegal, mas também consideramos o que comportamento dos bancos brasileiros vai muito além dos limites da resolução.”

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