ARTIGO: 8 de mar‡o foi dia de dar flores, parab‚ns ou dar porrada?

Por Neide Fonseca*

 

Quero dividir com vocês o meu dia de hoje, o Dia Internacional das Mulheres. Será um modo de apaziguar meu coração tão amargurado, por isso desde já peço desculpas, porque o certo é compartilhar alegrias, mas enfim…..

 

8 de março, toda a mídia se empenhou em parabenizar às mulheres, falar das conquistas, dando pouca ênfase às diferenças ainda existentes.

 

Em um programa de rádio ouvi um sujeito dizendo que ligou para cumprimentar sua esposa pelo dia da mulher. Porque ela era uma mulher excepcional fazia tudo que ele queria: “o colarinho de suas camisas eram impecáveis; nunca comia comida requentada, sempre fresquinha etc etc”. Eu pensei: ele está falando no dia errado, ele deveria homenageá-la no dia 27 de abril, dia da trabalhadora doméstica.

 

Outro ligou para parabenizar todas as mulheres honestas. E o pior ninguém da radio perguntou o que era para ele mulher honesta, ao contrário agradeceram pelo telefonema e a participação. E assim vão se reforçando os estereótipos.

 

Saí de casa, no caminho via várias mulheres com buquês de flores, falavam felizes que haviam ganho de seus chefes pelo “seu dia”. Aqueles mesmos chefes que mantêm seus salários 1/3 do salário dos homens, que relutam em dar-lhes uma promoção etc.

 

Mais enfim, hoje era dia da mulher. Ouvi por várias vezes aquela famosa frase “viva as mulheres porque nos não vivemos sem elas”, como se fossemos um sapato, uma camisa, ou qualquer outro objeto.

 

Na Internet vários poemas exaltando a mulher mãe, a mulher delicadeza, a mulher fragilidade; a mulher feminina, a mulher rainha do lar, em fim um blá blá blá que não tinha fim. O curioso é que ninguém lembrava do por quê desta data. Era o dia da mulher é pronto, tudo bem.

 

Por fim cheguei ao local para onde me dirigia, a 66.ª Delegacia de Polícia, onde também funciona a 8.ª Delegacia da Mulher. Fui fazer um B.O, devido ao furto do meu Lap top e do Data Show da Contraf. Enquanto esperava a escrivã voltar do almoço, a delegada da Mulher saiu segurando um maço de rosas. O Delegado perguntou é seu aniversário? E ela toda poderosa respondeu, não hoje é o dia da mulher como você não se lembra? (parecia que o delegado havia cometido um crime). E lá se foi ela, enquanto outra entrava para o plantão.

 

Fiquei na Delegacia por uma hora e meia, neste tempo o número de mulheres que chegavam e tímidas falavam ao delegado ou a escrivã  “quero fazer um B.O”, aumentava. Logo vinha a pergunta constrangedora “o que aconteceu?” e a resposta foi sempre a mesma “agressão dentro de casa”. Essas mulheres, da periferia da Zona Leste, que é onde moro, eram na maioria negras, jovens ainda, porém maltratadas.

 

Ao sair da Delegacia, passei no andar onde as mulheres estavam sendo atendidas e pude contar em torno de 30 mulheres espancadas “no seu dia”, dentro de suas próprias casas. Daí me bateu uma tristeza, imensa porque na rua, na lotação continuei a ver mulheres orgulhosamente carregando flores.

 

Ninguém parecia lembrar que 8 de março não é um dia de dar presente, nem parabéns, muito menos porrada. Que a mulher não tem esse dia por ser delicada, mãe, feminina etc. Essa data é uma referência histórica, 130 mulheres morreram queimadas reivindicando salário igual aos homens e uma jornada de trabalho de 16 para 10 horas.

 

Parabéns pelo seu dia, foi o que mais ouvi até de feministas históricas. Se houvesse a igualdade de oportunidades e de tratamento, se os direitos humanos das mulheres fossem respeitados, não precisaria existir o “dia da mulher”. Então, como dar parabéns se a luta ainda continua tão árdua quanto há 150 anos atrás. A violência contra a mulher não pára.

 

Hoje muitas receberam rosas, e parabéns, amanhã a vida continua com salários menores; assédio sexual; assédio moral; desrespeito à jornada de trabalho; A maternidade tão santificada serve de motivo para demissão. Muitas irão ao trabalho com o olho roxo dizendo ter caído da escada. Outras apanharão em silêncio e faltarão ao trabalho.

 

Até quando chegar o próximo oito de março e começar tudo de novo…Parabéns pelo seu dia….. Nosso dia é todo dia. 08 de março é marco de luta.

 

Hoje vou deitar triste, com aquelas mulheres espancadas e de olhares profundamente tristes na minha memória.

 

Nunca me senti tão impotente.

 

* Neide Aparecida Fonseca é diretora da Contraf-CUT e presidenta da Uni Américas Mulheres

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