A gente não se esquece: nesta sexta faz 9 anos da privatização do Banespa

O dia 20 de novembro entrou para a história de luta dos bancários e da sociedade brasileira. Essa data é o Dia da Consciência Negra, lembrando a memória de Zumbi dos Palmares, e foi o dia em que os governos tucanos privatizaram o Banespa, o maior banco estadual do país, em 2000, após longa resistência dos trabalhadores.

O dia que os bancários não esquecem

Era uma segunda-feira e o clima de primavera era igual ao deste ano. Às 10h, instalava-se na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – longe do ringue paulista – o leilão de privatização do Banespa.

Os bancários tinham feito um movimento vigoroso de resistência, desde a intervenção do Banco Central, no final de 1994. Os sindicatos e a Afubesp conquistaram várias liminares e decisões judiciais, ganhando apoio na sociedade e forçando sucessivos adiamentos do leilão.

A venda só ocorreu após o governo FHC ter baixado uma medida provisória, conhecida como MP do Banespa, que remetia qualquer recurso para a apreciação direta do presidente do STF, ministro Carlos Veloso.

“Ainda me lembro de que, na véspera da privatização, havia uma liminar que impedia a realização do leilão. Velloso fez plantão no fim de semana, recebendo no sábado à tarde o recurso da Advocacia-geral da União, então sob o comando de Gilmar Mendes, hoje presidente do STF, e cassando na noite de domingo a medida judicial, o que possibilitou a venda do banco para o Santander na manhã daquela segunda-feira”, recorda o secretário de imprensa da Contraf-CUT, Ademir Wiederkehr.

Em todo país, os funcionários do Banespa receberam a notícia, durante uma paralisação cívica em frente às agências. Uma grande concentração ocorreu diante do edifício-sede do Banespa, no centro de São Paulo. Muitos se emocionaram e choraram.

“Na capital gaúcha, cantamos o hino nacional e o hino riograndense, como sinal de que nossa luta não fora em vão, pois não compactuamos com o entreguismo do patrimônio público”, lembra Ademir, que também é diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e da Afubesp.

Para Lula, “bancos como o Banespa foram praticamente doados”

A privatização do Banespa foi lembrada no último dia 20 de julho, pelo presidente Lula, ao discursar em encontro do Conselho Diretor do Banco do Brasil, em Brasília. Lula culpou a irresponsabilidade gerencial pela venda de bancos públicos. Sem citar nomes, afirmou que alguns políticos usaram essas instituições para fazer caixa dois em campanhas e deu o exemplo do Banespa.

“Talvez [se sinta] arrependimento no Brasil porque bancos importantes como o Banespa foram praticamente doados, vendidos a troco de nada. Jogou-se em cima dos bancos a irresponsabilidade dos governantes que gerenciavam esses bancos ou que muitas vezes usavam esses bancos para fazer os caixas dois da vida em época de campanha eleitoral. Por isso que todos os bancos públicos estavam quebrados”, disse Lula.

Um dos responsáveis pelo uso político do Banespa, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia é hoje um dos maiores aliados dentro do PMDB do governador José Serra (PSDB), pré-candidato a presidente em 2010. Quércia sempre negou responsabilidade pela crise do banco.

Preço subavaliado

“O presidente Lula está coberto de razão em dizer que o Banespa foi praticamente doado ao Santander”, avalia o diretor da Contraf-CUT. “As entidades sindicais e de representação, que lideraram a defesa do Banespa como banco público, consideravam na época o preço mínimo de venda subavaliado. O valor havia sido fixado em apenas R$ 1,850 bilhão”, recordou.

O Banespa foi entregue ao Santander por R$ 7,050 bilhões, quase seis anos depois de sofrer intervenção do Banco Central, em dezembro de 1994, no final do governo Fleury e às vésperas da posse do governo Covas. A venda representou um ágio de 281% sobre o preço mínimo. O lance do Unibanco foi de R$ 2,1 bilhões e o do Bradesco, de R$ 1,86 bilhão. O Itaú não apareceu.

O então procurador da República no Distrito Federal, Luiz Francisco de Souza, disse que o valor oferecido pelo Santander reforçava a tese de que o preço mínimo do banco foi subavaliado pelo governo. Segundo o procurador, com o ágio o Santander seria beneficiado com créditos tributários, garantindo o abatimento de R$ 1,7 bilhão no imposto de renda.

Um estudo feito na época por economistas do Dieese e da Unicamp apurou falhas na avaliação do banco e estimou que o preço mínimo devia ter sido o dobro do valor oficial, que não considerou, entre outros fatores, a marca Banespa e os créditos fiscais.

Após o leilão, o então presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, João Vaccari Neto, declarou que a venda do banco foi realizada depois de um acerto entre os compradores. “Por que o Itaú não concorreu? Por que o Bradesco apresentou preço mínimo? Por que o Unibanco apresentou proposta baixa? Isso foi um acerto para o Banespa ser vendido para um banco internacional”.

A luta não acabou com a privatização

Apesar da privatização, os banespianos não se deram por vencidos e continuaram lutando em defesa dos empregos e direitos, garantindo estabilidade no emprego por alguns anos e aposentadoria para milhares de funcionários. Também foi assegurada a manutenção do fundo de previdência (Banesprev) e da caixa de assistência à saúde (Cabesp), pois o edital de privatização previa o patrocínio do banco somente por 18 meses e 60 meses, respectivamente.

Para a Contraf-CUT, as entidades sindicais, a Afubesp, os trabalhadores e aposentados que foram à luta, o dia 20 de setembro será sempre o momento de lembrar e homenagear milhares de homens e mulheres que acreditaram no valor de seus ideais, enfrentaram os governos tucanos e defenderam o Banespa como patrimônio público com bravura e dignidade.

Renovação com avanços do aditivo

Hoje, unidos com os funcionários oriundos do Meridional, Noroeste, Geral do Comércio e agora do Banco Real, adquirido pelo Santander em 2007, a luta prossegue pela renovação com avanços do aditivo à convenção coletiva. Na negociação ocorrida na quarta-feira, dia 18, o banco concordou com a manutenção da maioria das cláusulas.

As pendências e as propostas de inclusão no aditivo serão discutidas em nova rodada, a ser agendada nesta segunda-feira, dia 23. “Também será debatido o Acordo do Programa de Participação nos Resultados (PPR), com a visão de distribuir de forma mais justa os lucros do banco e valorizar o empenho e a dedicação dos trabalhadores”, ressalta o dirigente sindical.

“Queremos a renovação de todas as cláusulas e novas conquistas no aditivo, incorporando os benefícios que constam na cartilha distribuída aos funcionários em maio e estendendo direitos garantidos aos bancários da Espanha”, reivindica a diretora do sindicato dos Bancários de São Paulo, Rita Berlofa.

Mobilização dos aposentados

Os aposentados esperam a retomada das negociações para discutir o enorme passivo trabalhista. O assunto foi objeto, juinto com as demissões de funcionários, da audiência pública ocorrida na Câmara Federal, no último dia 5 de novembro, por iniciativa da deputada Emília Fernandes (PT-RS).

Na ocasião, o deputado Nelson Marquezzeli (PTB-SP) afirmou que possui assinaturas suficientes para pedir a instalação de uma CPI para investigar o uso dos títulos federais emitidos para pagar aposentadorias e pensões do pessoal pré-75 do Banespa. Nova audiência pública deve ocorrer dentro de 60 dias.

“A defesa dos empregos e direitos e a luta pelo respeito aos aposentados e pela preservação dos estatutos do Banesprev e da Cabesp confirmam que a privatização não acabou com a resistência dos trabalhadores e que sobrou muita energia e dignidade para seguir batalhando”, conclui Ademir.

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