Professores do Paraná vencem primeiro round do ano do ‘pacotaço’

Parte do acampamento dos professores, na frente do Palácio do Governo

El País
Talita Bedinelli

O Centro Cívico de Curitiba, charmoso bairro da região central da capital paranaense que concentra os prédios administrativos do Estado, ganhou no último 9 de fevereiro centenas de habitações temporárias. Os novos moradores, distribuídos em barracas coloridas de acampamento, com uma cozinha comunitária no centro e banheiros químicos ao redor, são professores da rede estadual em greve há 12 dias.

Representando os mais de 92.000 funcionários do Estado, 65.000 deles docentes, tinham como um dos objetivos barrar a aprovação do pacote de austeridade do governador Carlos Alberto Richa (PSDB), que em duas extensas leis, encaminhadas em regime de urgência para a votação dos deputados, trazia medidas administrativas que cortavam direitos da categoria para aumentar o caixa, que fechou 2014 com um déficit de um bilhão de reais. O pacotaço, como foi apelidado, seria votado às pressas, num único dia, por meio de uma comissão especial -e não nas comissões fixas, como manda o trâmite normal- que seria formada na semana passada. Por isso, o acampamento foi montado entre o Palácio do Iguaçu, de onde despacha Richa, e a Assembleia.

A mobilização surtiu efeito. Para tentar barrar a aprovação do pacote, foram necessárias duas invasões da Assembleia, que resultaram em confrontos com a Polícia Militar -o último com 11 feridos, no último dia 12- e em cenas inusitadas, como a de deputados entrando no prédio em um carro blindado da Tropa de Choque e transformando o restaurante da Assembleia num plenário para votar sem a interferência dos docentes. A estratégia dos parlamentares fracassou, e o Governo decidiu retirar o pacotaço da pauta e negociar.

O caso paranaense é, até agora, o mais duro embate entre potenciais afetados por medidas de austeridade e Estados com contas no vermelho. E 2015 é um ano que tem potencial para ser recheado deles. Não é só o Estado do Sul que está às voltas com problemas de caixa. O Governo Dilma Rousseff e Estados de diferentes tamanhos como Rio de Janeiro e Acre também. No caso federal, Dilma apresentou pacote, que ainda passará pelo crivo final do Congresso, que envolve corte no seguro desemprego e modalidades de pensão por morte, com resistência das centrais sindicais.

Em Curitiba, a ação na Assembleia e o congelamento das medidas de austeridade foram só o primeiro capítulo da disputa. Nesta quinta-feira, durante uma reunião com a APP Sindicato, representante dos professores da rede, a gestão Richa se comprometeu que não enviará para votação nenhum projeto que “retire qualquer direito dos trabalhadores”, afirmou à imprensa o secretário da Casa Civil do Governo, Eduardo Sciarra, após a conversa com os representantes dos docentes, que durou três horas. A comissão especial também não será mais criada e a análise das leis pelos deputados seguirá o curso normal.

O conjunto de projetos modificava o pagamento dos quinquênios dos servidores (reajuste dado a cada cinco anos), acabava com o modelo de progressões e promoções (que permitiam o avanço na carreira quando, por exemplo, funcionários faziam cursos de especialização), limitava o valor do vale-transporte e alterava a rescisão contratual dos trabalhadores temporários, muito usados na área da educação. Também impunha um teto para a aposentadoria, no limite de 4.662 reais, e extinguia o Fundo Previdenciário dos servidores, revertendo os ativos para o Fundo Financeiro do Governo, não deixando claro para quais fins os quase 8 bilhões de reais seriam usados.

“Eles querem que a gente pague o preço da crise gerada pelo desgoverno. Temos uma posição absolutamente contrária a qualquer lei que retire nossos direitos”, afirmava Hermes Leão, presidente da APP, pouco antes da reunião desta quinta. Apesar de não serem os únicos afetados pelo pacote, os professores são os mais mobilizados – funcionários do Detran e da secretaria da Saúde também estão parados, mas a adesão foi menor. Segundo estimativa da própria Secretaria da Educação do Estado, 90% das 2.100 escolas do Paraná entraram na greve, afetando quase todos os cerca de um milhão de estudantes da rede. Funcionários das universidades Estaduais paranaenses também decidiram paralisar as atividades.

A força da mobilização docente contra o pacotaço é consequência de uma série de insatisfações dos educadores que se arrasta, reflexo da seca de verbas, desde o final do ano passado, quando Richa se reelegeu governador com quase 53% dos votos válidos. Os projetos funcionaram como uma espécie de gota d’água, que desencadeou uma greve com diversos pontos de exigências.

Os professores afirmam que muitas escolas deixaram de receber parte das verbas de manutenção. “Chegamos a fazer vaquinha entre a gente para comprar material, giz, papel higiênico”, conta um integrante de um grupo de docentes da escola Dom Attico Eusébio da Rocha, na região central de Curitiba. Além disso, em 30 de dezembro do ano passado, 29.000 professores temporários, que haviam sido dispensados, descobriram que o dinheiro que receberiam pela rescisão do contrato não foi pago, um total de 82 milhões de reais. Também não foram pagos os 144 milhões de reais referentes às férias do final do ano -tudo continua atrasado até hoje.

Os professores também afirmam que o Governo descumpriu as mudanças negociadas ao longo de três anos numa portaria que institui o chamado porte de escola, que determina o número de pedagogos, funcionários, professores e alunos por sala nas escolas, o que levou ao fechamento de 2.400 turmas. Alunos tiveram que ser remanejados para outras salas, gerando superlotação. Algumas passaram a ser compostas por até 50 estudantes. “Na nossa escola fecharam quatro das oito salas do EJA [Educação de Jovens e Adultos] e outra do último ano do Ensino Médio. Teve aluno que não conseguiu vaga e teve que se matricular longe de casa”, conta Luciano Kaminski, 41, professor de história no colégio Flávio Ferreira da Luz, também em Curitiba.

Ao EL PAÍS, a Secretaria da Educação afirmou que a alteração no porte das escolas aconteceu por uma queda no número de matrículas, o que gerou a demissão dos 29.000 funcionários temporários (apenas 10.000 devem ser recontratados neste ano) e nega que isso tenha gerado qualquer superlotação das salas. “Casos pontuais serão analisados”, afirmou o órgão, em uma nota, que ressaltou que os pagamentos em atraso serão regularizados ainda neste primeiro trimestre.

Para completar o quadro de descontentamento, no início deste mês o Governo anunciou que não chamaria parte dos profissionais que passaram em um concurso e já haviam, inclusive, escolhido seus locais de trabalho para esse ano. A secretaria disse que são 1.000 pedagogos que, com a mudança no porte das escolas, não seriam mais necessários. Há, no entanto, cerca de 400 docentes nesta mesma situação. Um deles é a professora de educação física Anelize Silva, de 35 anos.

“Fiquei em nono de 23 vagas na minha região. Perdi o emprego que tinha em uma academia porque precisei faltar dois dias para escolher as aulas no Estado. Perdi o emprego que tinha em uma academia porque precisei faltar dois dias para escolher as aulas no Estado. Depois de ter selecionado o colégio onde eu ia trabalhar, fui avisada de que não assumiria”, contava ela, na última quinta, no acampamento. “Tenho uma filha de cinco anos, sou separada. Estudei, lutei para ficar entre as primeiras do concurso e agora estou desempregada.”

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram