Pesquisador diz que é preciso falar sobre o suicídio para prevenção

Marcelo Finazzi fez palestra na Casa dos Bancários, em Porto Alegre

O funcionário do Banco do Brasil, pesquisador na área de recursos humanos e doutorando em administração pela Universidade de Brasília (UnB), Marcelo Augusto Finazzi Santos, passou com louvor por uma estreia durante o Seminário de Apresentação dos Resultados em Pesquisa em Saúde, ocorrida na manhã da sexta-feira (12), no auditório da Casa dos Bancários, em Porto Alegre.

Ele confessou que pela primeira vez em sua vida acadêmica falou para um público não acadêmico. Para complicar a sua vida, o tema que ele estuda há sete anos é mais do que espinhoso, um tabu. Mas Marcelo mostrou que está pronto para ajudar colegas bancários e de outras categorias a vencer o trauma do suicídio, ou ao menos a saber que para prevenir a ideação ou a prática do suicídio, só mesmo falando sobre o assunto.

O pesquisador abordou casos que ilustram as teorias com as quais ele trabalha para tentar compreender este assunto tão complexo, envolto em crenças e tabus como o suicídio. ´

Marcelo começou contando o caso do Padre Marcelo Rossi. Celebridade, o religioso contou mais recentemente que passou por um processo depressivo muito complicado. Chegou a perder 60 quilos e confessou que pensara em se suicidar.

Rossi disse, em entrevista lida por Marcelo Finazzi ao público, que começou a entrar em um processo depressivo depois que fraturou o pé e precisou usar cadeira de rodas. Ele pensou em se suicidar, teve bulimia, emagreceu de 120 para 68 quilos e perdeu a razão de viver.

“Todo mundo está propenso a passar por situações difíceis. Todo mundo imagina que as pessoas conhecidas não tenham dificuldades. O padre Marcelo Rossi quebrou o pé e entrou em depressão. Conseguiu superar compondo músicas. Compôs 14 e produziu um disco”, contou Finazzi.

Antes de falarmos de duas histórias de bancários que Marcelo Finazzi contou como casos de recuperação, depois de tentativas de suicídio, devemos fazer um resgate histórico a respeito da novidade que o palestrante afirmou: depois dos primeiros estudos sobre suicídio, marcado pelo livro do sociólogo francês Émile Durkheim, mais precisamente o livro “O Suicídio”, publicado em 1897, o suicídio tendo o trabalho como motivo tem sua gênese nos anos 1970. Os primeiros casos datam e coincidem com o processo de reestruturação. Aliás, nada de coincidência aí, mas uma correlação bem clara.

Mais precisamente no Japão, quando a reestruturação chegou duas décadas antes do que aqui no Brasil, o trabalho mata por dois motivos: por exaustão ou pela pressão. Sim, a reestruturação econômica dos tempos neoliberais, no Brasil, a partir dos anos 1990, mudou as relações que os bancários têm com os colegas e com o trabalho. O neoliberalismo extinguiu vagas, fez o volume de trabalho por trabalhador aumentar muito. Desse processo de enxugamento de postos de trabalho, dessa ideologia da eficiência a qualquer preço, decorre a concorrência entre colegas, deterioram-se as relações no local de trabalho. Some-se a esse processo de reestruturação, ataque a empregos, precarização, a pressão por produtividade e as cobranças por metas abusivas.

Estruturalmente, essas modificações incidiram sobre as relações de trabalho. O colega que era visto como amigo passa a ser um concorrente por mercado, por venda de produtos. As relações então ficam superficiais, há disputa, concorrência. Marcelo Finazzi compara esse processo ao vestibular. A tensão é por eliminar concorrentes, não desenvolver solidariedade e espírito de grupo. Quanto mais individual, melhor… para o patrão.

Além desses fatores, há a incapacidade do chefe de ter sensibilidade com o sofrimento do trabalhador. O ambiente é para os fortes, onde se trabalha 10, 12 e até 15 horas por dia. Quem não sobrevive, é trocado. Não serve. “Ninguém é amigo de ninguém. Tem chefe que vai querer cobrar e quando perde a noção e a medida do que é correto, adequado, em termos de tratamento, temos o assédio moral. O trabalhador deixa de ter identidade. Até meados dos anos 1990, existia solidariedade”, explica Marcelo Finazzi.

Tratamento e ‘psiquiatrismo’

Se temos um ambiente de trabalho onde não há amizade, onde só há concorrência e que, ao contrário, se estimula a concorrência, o trabalho perde o status de um lugar em que é bom estar. Entra, nesse jogo, o tabu que o suicídio encerra. O próprio trabalhador sofre um condicionamento. Ele não pode achar que suas ideações suicidas decorrem desse processo de transformação do seu ambiente de trabalho. Então, ele passa a ser o problema. E como acreditar que ele não é o problema?

Marcelo contou que há, dentre outras, algumas formas de combater essa desumanização do trabalho. Em primeiro lugar, o bancário deve procurar um terapeuta (psicólogo e psiquiatra) ou participar de grupos de ajuda.

“Temos um fenômeno relacionado ao tratamento que é o psiquiatrismo. O bancário relata sofrimento, não tem vontade de trabalhar e a passar oito horas no inferno que se transformou o seu ambiente de trabalho. Então procura ajuda médica. Mas o plano de saúde permite que o psiquiatra atenda em apenas 15 minutos. O que ele vai fazer? Vai olhar o paciente que não disse nada sobre si e receitar um remédio tarja-preta. Esse é o psiquiatrismo”, explica Marcelo.

O especialista conta que os bancários com ideação suicida ou que tentaram se suicidar podem não apresentar qualquer tipo de sinal de que não estão bem. O assunto é complexo, pouco estudado e não se pode falar em padrões comportamentais.

O bancário que já tentou o suicídio na adolescência, normalmente, parece mais suscetível, mas pode não ser o caso. O bancário quieto, aquele que veste a camiseta do banco, que gosta de trabalhar, de uma hora para a outra, pode ficar deprimido, não querer trabalhar e pensar em tirar a própria vida.

O importante é o trabalhador criar vínculos. Vínculo com o terapeuta, com a família, com os amigos, com o grupo de tratamento. Marcelo diz que o suicídio não é natural e que não é fácil se suicidar.

“O corpo humano é naturalmente equipado para a sobrevivência. O natural é viver. O suicídio é algo que vai contra a nossa natureza. É um ato antinatural. O nosso corpo tem uma estrutura psíquica que protege contra o suicídio”, acrescenta Marcelo.

Perfil e machismo

Não se pode falar de forma definitiva em perfil de suicida. Apesar de a taxa de suicídios entre os homens ser até quatro vezes superior à das mulheres, os casos de tentativa se equivalem. Os homens, criados para serem machos, suportarem a dor e não reclamarem de nada, são vítimas do próprio machismo a que a nossa cultura está submetida.

“O machismo vai contra a saúde do homem. Os homens se suicidam em maior taxa que as mulheres. E os suicídios dos homens em geral são brutais. Ricos e pobres se suicidam na mesma proporção. É difícil determinar as causas. É preciso muita conversa para que se descubra e se mude a ideação”, comenta o pesquisador.

Vejam o caso do ator Robin Williams. Ele era rico, famoso. Nada, aparentemente, lhe faltava. Ao padre Marcelo também nada faltava. Ambos são celebridades. O ator estadunidense era uma celebridade, porque se suicidou sem motivo aparente, a não ser pela depressão. “Não há muito como prever o suicídio. Nem como identificá-lo. Às vezes, é preciso ganhar confiança. O método de tratamento mais indicado é não conversar diretamente sobre suicídio. Tem que ir conversando e descobrindo”, explica Marcelo.

O pesquisador aproveitou para elogiar o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e o Departamento de Saúde. Há 12 anos, o Grupo de Ação Solidária (GAS) faz exatamente o que se recomenda: levar colegas que estão sofrendo por causa do trabalho, por causa do ambiente de exploração criado há mais ou menos duas décadas, a um contato coletivo com colegas para falar sobre sofrimento e ouvir histórias de sofrimentos.

Só assim, recomenda o pesquisador, é possível ressignificar a vida de um bancário ou bancária que tenha trabalhado tanto, vestido a camisa e chegado à conclusão de que não há mais sentido em manter a vida por causa do ambiente hostil do trabalho. Definitivamente, precisamos falar mais sobre suicídio.

O caso de Rose

Marcelo contou a história de uma bancária de Brasília de um banco privado que começou a trabalhar muito cedo no banco. Morena de cabelos pretos e olhos azuis. Dona de uma competência, capacidade de trabalho e de resistência de fazer inveja, Rose logo subiu degraus na hierarquia do banco.

Nos anos 1970, ela conseguiu assumir o cargo de gerente geral da principal agência de Brasília. Rose casou alguns anos depois de entrar no banco, teve dois filhos, mas logo se separou porque o marido não suportou a dedicação de 12, 15 e até mais horas ao banco.

Era preciso. Mas a saúde de Rose cobrou um preço. Com 20 anos de banco, respeitada, embora tivesse passado por um histórico de assédio sexual de chefes, clientes e colegas, nos anos 1970 ainda mais machistas do que agora, Rose começou a ter anemia. Não comia direito, não dormia direito, só pensava no banco.

Precisou de 15 dias de afastamento para tratar da doença. Foi então que o banco entrou em cena. Esses 15 dias em que foi tratar de doença fez com que fosse rebaixada de cargo.

Então, Rose passou a sofrer de algo que não entendia direito. Contou o pesquisador que ela passou a tomar medicação para a depressão e que não conseguia mais ir trabalhar. Foi a um psiquiatra, mas não conseguiu contar que na adolescência, por causa de um namoro, tentara suicídio tomando remédios.

Procurou o Sindicato dos Bancários de Brasília. Foi atendida prontamente e passou a ser acompanhada por um psiquiatra do Departamento de Saúde do Sindicato. Num sábado à noite, ela telefonou para o psiquiatra e disse que não podia mais. Que amava a filha, mas que não conseguiria mais voltar ao banco. O psiquiatra perguntou-lhe onde estava àquela hora. Rose não disse. Diante da insistência, disse que se encaminhava para uma ponte.

O psiquiatra chamou os Bombeiros, que conseguiram chegar a tempo de resgatá-la. Rose precisou passar por um duro processo de acompanhamento médico. Precisou se reinventar depois disso. E sobreviveu. Não foi fácil. Marcelo conta que Rose ressignificou sua vida, conversando, sendo medicada e tendo acompanhamento de psiquiatra e de um grupo de trabalhadores que enfrentava o mesmo problema. Rose sobreviveu, mas passou perto.

O caso de Caio

Caio tinha um talento. Quando entrou no banco, lá pelos anos 1990, logo sua fama de bom vendedor se espalhou pelo banco. Ele dizia sempre que adorava o trabalho na agência. Era pesado, se trabalhava muito, mas havia uma relação de solidariedade entre os colegas. Todas as sextas-feiras, ao final do expediente, tinha sempre alguém que trazia uma churrasqueira, alguma carne e faziam um assado. Rolava até uma cervejinha.

Trabalhava-se muito na agência, mas Caio gostava. Então, diante do desempenho nas vendas, Caio foi promovido. Deixou a agência de que tanto gostava e foi assumir um departamento importante no banco. O esquema era de trabalho duro. Igual ou um pouco menos até que a agência. A diferença é que não havia aquela amizade, a solidariedade entre colegas, o respeito e a confraternização dos jogos de futebol uma vez por semana.

Caio começou a sentir que estava sozinho. Cada um dos colegas em seu departamento era um concorrente. Ele não podia comentar uma ideia que teve, alguma solução que pensou para resolver algum problema de rotina, porque podiam roubar sua ideia, levar ao gerente e ganhar prestígio.

Ele então passou a sofrer. Cansou de receber trabalho por volta das seis horas, perto do término da sua jornada e ter que ficar mais quatro, cinco, seis horas para finalizar a tarefa: nada podia ficar para o outro dia.

Um dia, ao dirigir seu carro para o trabalho, remoendo as relações em frangalhos com colegas, e a sua própria sanidade perdida, Caio pensou em se matar. Um viaduto no caminho de casa ao trabalho era a solução perfeita. Numa curva em que bastaria jogar o carro e acabar com o sofrimento, foi salvo por outro veículo que o fechara. Deu-se conta imediatamente de que precisava procurar ajuda médica.

O pesquisador conta que Caio não foi trabalhar naquele dia e procurou psiquiatra. Salvou-se. Tudo porque deu-se conta de que precisava de ajuda, de que precisava falar sobre sua infelicidade e saúde mental.

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