Favelas viram nova arena de disputa entre principais bancos

O dono de bar Davison Silva teve os limites de crédito ampliados em 30% ao transferir a conta para a agência de HeliópolisO morro, agora, tem vez. Em 2010 os bancos aceleraram a abertura de agências em favelas de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e, atentos ao potencial de consumo das classes D e E, já têm planos para ampliar a ocupação dos morros em 2011. Pouco mais de uma dezena de agências devem ser inauguradas somente em morros cariocas, no próximo ano, por Bradesco e Banco do Brasil(BB).

Até mesmo o Itaú Unibanco, que é percebido pelo público como um banco mais elitista, quer demarcar território em favelas cariocas. O banco das famílias Setubal, Villela e Moreira Salles firmou acordo com o governo estadual do Rio de Janeiro para abrir agências nas áreas ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs).

O Santander, que está com uma campanha em horário nobre na TV para anunciar a abertura de uma agência no Complexo do Alemão (RJ), informa que quer replicar a experiência em outras comunidades carentes do Rio e São Paulo, mas não fornece mais detalhes.

Existem hoje apenas dez agências bancárias localizadas em favelas brasileiras. Mas, há poucos anos, a ausência era total. A Caixa Econômica Federal, pioneira ao chegar na Rocinha em 1998, abriu sua segunda agência em uma favela em 2010, pouco antes do Natal, no Complexo do Alemão.

O Banco do Brasil inaugurou, há menos de um mês, duas agências em comunidades de baixa renda: uma em Paraisópolis, a segunda maior de São Paulo, com 100 mil habitantes, e no Morro da Baiana, localizado no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, com população estimada em 140 mil moradores.

O plano de expansão da rede do BB ganha força em 2011. A instituição planeja abrir as portas na Cidade de Deus, na Rocinha e na favela Pantanal, todas regiões do Rio.

O Bradesco tem um cronograma ainda mais extenso: além de Cidade de Deus, onde os preparativos já estão bem adiantados, vai estrear, no primeiro semestre do próximo ano, em Rio das Pedras (previsão para março), Complexo do Alemão, Gardênia Azul, Dona Marta, Salgueiro, Terreirão, Tijuquinha, Turano, Vila Cruzeiro.

A ampliação das fronteiras do sistema bancário rumo a regiões carentes não deve ser entendida como ação social, embora o marketing das instituições financeiras seja forte, nesse sentido. Essas comunidades surgem, na verdade, como uma espécie de nova arena bancária. Nelas se encontra a população emergente, sobre a qual tende a se concentrar a disputa das instituições financeiras nos próximos anos. Estima-se que existem 21 milhões de brasileiros nas classes D e E economicamente ativos, mas sem conta corrente.

Até que ponto, porém, a conquista desse público é uma estratégia viável? “Todo e qualquer cliente é rentável, desde que existam automação e escala”, responde Odair Afonso Rebelato, diretor executivo do Bradesco. O banco foi um dos precursores do movimento ao fincar sua bandeira, em 2007, na Rocinha (RJ), a maior favela do país. De lá para cá, só na Rocinha foram abertas 3,4 mil contas correntes para pessoas físicas, 397 para pessoas jurídicas e emitidos 1,85 mil cartões de crédito.

É preciso também colocar na conta aquelas pessoas que já estavam “bancarizadas”, mas que faziam pouco uso dos produtos oferecidos pelas instituições, seja pela distância da agência em que tinham conta, seja pela própria capacidade financeira, que vem aumentando na medida em que o emprego e a renda crescem.

O comerciante Davison Alves Silva, 27 anos, transferiu a conta corrente que tinha no Bradesco desde 2001 para a agência de Heliópolis, em novembro de 2009, assim que ela foi inaugurada. A antiga unidade estava localizada a cerca de cinco quilômetros de onde Silva trabalha. A atual fica a mais ou menos dez passos do seu bar. Com a troca, seus limites para cheque especial, empréstimo pessoal e cartão de crédito foram ampliados em cerca de 30%. “Fica mais fácil reforçar o caixa com a agência aqui do lado”, diz Silva.

O público de baixa renda é, segundo Rebelato, “mais tomador do que doador” – ou seja, contrai mais empréstimo do que poupa. Os baixos valores financiados individualmente são compensados pela grande quantidade de crédito aprovado nas agências. A inadimplência, em torno de 10%, é maior do que a média do sistema, o que contraria a crença de alguns que pobre é melhor pagador. Numa emergência, esse cliente vai priorizar o mercado em que costuma comprar fiado, a farmácia, para depois pagar ao banco. “Mas, como o patrimônio dele é o nome, em algum momento ele volta para quitar a dívida”, afirma Rebelato.

Em Heliópolis, maior comunidade de baixa renda de São Paulo, onde vivem cerca de 120 mil pessoas – das quais 40 mil com potencial de abrir conta em banco – o Bradesco conseguiu amealhar, de novembro de 2009 para cá, 1,3 mil contas correntes. Em Paraisópolis, também na capital paulista, o banco abriu uma agência em setembro deste ano e já contabiliza outras 600 contas correntes de pessoas físicas e 38 de empresas. “Temos até um cliente com perfil Prime [de alta renda] na agência de Paraisópolis, mas que prefere continuar sendo atendido lá mesmo”, diz Rebelato.

Além de empréstimos, as classes D e E passaram a consumir com mais avidez produtos de seguro. Sérgio Ricardo Miranda Nazaré, diretor de varejo do BB, conta que o banco estatal, em parceira com a seguradora Mapfre, começa a desenvolver seguro de acidente pessoal e vida com preços e coberturas específicos para esses clientes. “Estamos em fase de estudo para colocar o produto na prateleira”, afirma. O BB Proteção começa com R$ 6 por mês e oferece cobertura para morte natural ou acidental e invalidez por acidente. Se forem acrescentadas outras coberturas, como proteção para residência, e serviços, como chaveiro e reparos domésticos 24 horas, o preço é reajustado.

Dos correntistas do BB com renda mensal inferior a R$ 1 mil, atendidos tanto nas agências como por correspondentes bancários, 51% possuem cartão de crédito ativo, 31,5% têm crédito pessoal e 32,8% ainda conseguem colocar dinheiro na caderneta de poupança. “À medida que a renda cresce, essas pessoas vão passar a tomar empréstimos de bens duráveis, contratar plano de previdência e até financiamento imobiliário”, diz Nazaré.

Para os cerca de 600 correntistas e poupadores da agência do Santander no Complexo do Alemão, a grade de produtos é a mesma das demais agências da rede. Mas há flexibilização na documentação e renda mínima exigidas para abertura de conta.

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