Em 40 dias, pelo menos nove ataques a carros-fortes são registrados no País

Nos últimos 40 dias, pelo menos nove ataques a carros-fortes foram registrados em todo o Brasil. Na sexta-feira (20), bandidos agiram em Recife (PE). Em vários estados, o clima é de apreensão. Segundo o delegado Juliano Ferreira, os criminosos que investem contra carro-forte são membros de quadrilhas “bem organizadas”.

“Quem se aventura em uma ação a carro-forte são realmente criminosos conhecidos, notórios e integrantes de quadrilha muito bem organizada”, avalia Ferreira. O ex-vigilante de carro-forte Jurandir José Francisco explica que as investidas dos bandidos costumam ser violentas. “Eles já vêm fechando e atirando, você não tem como reagir”, conta.

Para mostrar o que acontece dentro de um carro-forte e a reação dos vigilantes diante do perigo, o Fantástico acompanhou a entrega de um malote em Campo Grande, contendo cheques e documentos valiosos. A equipe de reportagem teve que assinar um termo de responsabilidade e usar colete a prova de balas.

Logo na saída para a entrega dos cheques, a preocupação extrema com a segurança era evidente. Outro carro-forte fez a escolta durante o trajeto. Em uma tela, no interior do veículo, é possível ver quando algum carro se aproxima. Conforto não é prioridade. Não tem nem como ficar em pé. É bem apertado e muito quente, mesmo com ar-condicionado.

Em cada veículo, vão quatro seguranças armados com revólveres e espingardas. A sensação de andar em um carro-forte é de que assaltantes podem atacar a qualquer momento. Os seguranças ficam extremamente concentrados, em busca de qualquer movimentação estranha.

No sinal vermelho, alerta máximo. “Prestamos atenção para ver se tem moto, algum carro suspeito. Por menor que seja o valor, o transporte é tenso”, diz um vigilante.

Treinamento

Segundo as empresas de transporte de valores, 24 mil vigilantes trabalham em carros blindados por todo o Brasil. O treinamento é rigoroso. Em um centro de formação, em São Paulo, são 210 horas de aula, das quais 50 são voltadas exclusivamente para o trabalho em carro-forte.

“O momento mais tenso no transporte de valores é o embarque e desembarque, porque eles ficam vulneráveis fora do carro”, explica o coordenador do curso, Fernando Silva de Souza. No momento de desembarque, dois vigilantes descem primeiro.

Depois que os seguranças dão uma olhada do lado de fora e aparentemente não há nenhum problema, o malote é liberado. O cofre fica atrás. Um vigilante digita a senha e, em seguida, o malote sai.

Por rádio, os vigilantes conversam o tempo todo. A entrega é concluída. “É adrenalina total, porque você não sabe o que vai encontrar lá. Por mais que procuremos visualizar, não sabemos”, diz uma vigilante. Dados das secretarias estaduais de Segurança revelam que, neste ano, aconteceram pelo menos 35 ataques a carros-fortes no Brasil.

“O que mais nos preocupa é o armamento utilizado, que atravessa o carro-forte como se fosse papel”, diz o delegado Juliano Ferreira. Para saber como é construído um carro-forte, o Fantástico visitou uma fábrica em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, onde são produzidos 140 veículos por ano.

O dono, Gelson Luiz Amalcaburio, explica que qualquer parte pode ser blindada, com chapas de aço e materiais especiais. “Há opções como blindagem do motor e dos pneus”, diz. Mesmo que os assaltantes tenham acesso à parte traseira do carro-forte, eles precisam ainda da senha para abrir o cofre. E, dentro do cofre, existe mais um sistema de segurança bem reforçado. Só assim é possível ter acesso aos malotes.

O Exército determina que os carros-fortes tenham, no máximo, o chamado nível três de blindagem – o suficiente para resistir à maioria das armas usadas pelos bandidos, mas não todas.

Ataques

Dois vigilantes estavam em um carro-forte atacado no começo do mês em Araras, São Paulo. “Foi planejado, já sabiam de tudo, até a nossa ficha”, conta um deles. Era fim de tarde. Um carro levava quase R$ 7 milhões e outro fazia a escolta.

Segundo os vigilantes, uma caminhonete cercou o veículo que transportava o dinheiro e um bandido atirou com uma metralhadora. As balas perfuraram facilmente a blindagem. O armamento, de uso restrito das Forças Armadas, mede quase 1,5 metro e derruba até helicóptero.

“O tiro acertou no motor. Se não abríssemos a porta, o carro-forte podia explodir com a gente dentro”, conta o vigilante que estava no carro. A escolta também foi metralhada e bateu em uma carreta. Os vigilantes contam que os bandidos estavam encapuzados, com coletes à prova de balas e atiravam pra todo lado.

“O armamento deles era só de fuzil e metralhadora 50. Não havia nenhuma outra arma menor”, diz o vigilante. “Deram tiros nos pneus na carreta que estava do nosso lado, para não sair”, conta. Os assaltantes faziam uma contagem regressiva do crime. “Eles não conversavam, só mandavam agilizar: Diziam que tinham 20 minutos”, lembra ele.

A quadrilha ainda bloqueou a estrada com um ônibus e usou explosivos para arrombar o cofre. “Deu para ver que o que estava com a 50 na mão era o chefe. Ele falou que poderia vir quem fosse que eles iam cortar no meio e derrubar”, conta o vigilante.

Depois que os bandidos fugiram com o dinheiro, uma descoberta trágica: um tiro, provavelmente da metralhadora 50, matou o empresário Ivo Zanatto, de 59 anos, que passava de carro por ali. “Essa arma teve que sair ilegalmente de um país e entrar ilegalmente no Brasil. Com certeza, isso causa indignação”, diz o filho do empresário, Omar Ajame.

O coronel do Exército César Augusto Moura, subchefe do Comando Militar do Leste, compara a munição da 50 com a de um fuzil. “Não tem nenhum meio de transporte – terrestre ou aéreo – que não seja parado por ela se não tiver uma blindagem especial”, diz Moura.

Segundo o consultor em segurança Haroldo Abussafi Figueiró, é preciso combater a entrada desse tipo de arma no país, investir na qualificação dos vigilantes e ter um bom planejamento no transporte do dinheiro. “As empresas têm que se precaver, não devem ter a mesma rota todos dos dias e ter o máximo de sigilo possível na operação”, afirma.

A preocupação agora dos vigilantes é com o pagamento do 13º salário e as festas de fim de ano. Com mais dinheiro em circulação, há o temor de novos ataques. “A gente espera que a polícia prenda esses bandidos e que as autoridades tomem medidas para evitar crimes desse tipo”, diz o filho do empresário morto por um tiro de metralhadora.

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