Debate sobre guerra cambial opõe países ricos e emergentes no G-20

O Estado de S.Paulo
Cláudia Trevisan, de Moscou

O risco de uma guerra cambial de proporções globais voltou a estar no centro da agenda do G-20 e provocou divisão ontem entre representantes de nações desenvolvidas e emergentes, que criticaram políticas monetárias expansionistas cujo efeito é a desvalorização de moedas de países ricos.

Os ministros de Finanças do grupo se reúnem hoje em Moscou – o presidente russo, Vladimir Putin, será o anfitrião do encontro – sob o impacto das medidas adotadas pelo Japão para tentar ressuscitar sua economia, que provocaram depreciação de 17% do iene em relação ao dólar nos últimos três meses.

Na opinião de Paulo Nogueira Batista Júnior (foto), diretor executivo do Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional (FMI), a possibilidade de uma corrida de depreciações cambiais é maior hoje do que em 2010, quando o ministro Guido Mantega cunhou a expressão “guerra cambial” no âmbito do G-20.

“Os países estão tentando resolver suas crises domésticas exportando suas dificuldades por meio do câmbio”, disse Nogueira, ressaltando que falava a título pessoal.

A desvalorização de moedas favorece as exportações, o que pode auxiliar no processo de recuperação de economias em dificuldades.

A queixa dos emergentes foi apresentada em encontro preparatório da reunião de ministros realizado ontem na capital russa. Os representantes dos países ricos responderam que a intenção das medidas não é a desvalorização cambial, mas a reativação de economias estagnadas.

Comunicado. O G-7, clube das nações mais industrializadas do mundo, provocou um rebuliço no mercado de câmbio nos últimos dois dias, depois de divulgar na quarta-feira um comunicado no qual afirmava que suas políticas monetária e fiscal têm objetivos domésticos e não buscam alcançar taxas de câmbio específicas.

Representantes do grupo deram interpretações contraditórias e anônimas ao comunicado, alguns dizendo que era um ataque e outros, uma defesa do Japão. Em resposta à volatilidade, o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, defendeu em entrevista à TV Bloomberg que o comunicado final do G-20 seja mais “específico” que os anteriores na condenação da guerra cambial. Nos documentos divulgados anteriormente, os países se comprometem a evitar a “desvalorização competitiva de suas moedas”.

Os ministros também vão discutir a questão fiscal e a velocidade com que países endividados devem reduzir seus déficits e o tamanho de suas dívidas. A divisão nessa área não opõe emergentes e desenvolvidos, mas sim grupos de países que defendem a manutenção de medidas pró-crescimento, como o Brasil, e os que são favoráveis a cortes de gastos que produzam rápida redução do déficit, ainda que isso sacrifique a expansão de curto prazo.

Novos temas. Outros temas que estão na agenda são a reforma do sistema de cotas do FMI, com aumento do peso dos países emergentes, e o desenvolvimento de mecanismos de financiamento de longo prazo, especialmente para projetos de infraestrutura.

Com a crise global de 2008, o bancos reduziram sua atuação como fontes de financiamento. Para compensar a queda, a economia mundial precisa criar mecanismos novos, que canalizem recursos para investimentos cujo retorno não é imediato. Essa é uma das prioridades da presidência da Rússia no G-20, que começa oficialmente hoje.

O G-20 deve retomar o espírito de cooperação que marcou sua atuação no início da crise financeira internacional, em 2008 e 2009, e evitar o crescente risco de “fragmentação, balcanização e protecionismo”, afirmou ontem em Moscou o dirigente da entidade que é a principal representante de instituições financeiras de todo o mundo.

“A coordenação é uma das questões centrais que devem ser enfrentadas pelo G-20”, disse Tim Adams, diretor-gerente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), espécie de xerife mundial dos bancos, que reúne 470 companhias do setor financeiro.

O discurso unificado do período pós-crise deu lugar a um cenário no qual realidades domésticas se chocam com as exigências de coordenação e regulação globais, avaliaram participantes de seminário promovido pela entidade. Segundo Adams, há um aumento de iniciativas “unilaterais” de regulação do mercado financeiro, que ameaçam os “avanços” na harmonização global de regras.

Paulo Nogueira Batista Júnior, diretor executivo do Brasil, avaliou que o papel do G-20 se enfraqueceu a partir de 2011, com o deslocamento da crise para a Europa e a persistência das dificuldades de retomada de crescimento no Japão e nos Estados Unidos. “A grande questão é saber se o G-20 conseguirá recuperar seu papel de coordenador de questões globais”, observou, ressaltando que falava a título pessoal. / C. T.

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