CVM define regras mais democráticas para assembleias de acionistas

Valor Econômico
Graziella Valenti, de São Paulo

Empresas e investidores ganharam um empurrão e tanto para mudar a rotina das assembleias no Brasil, onde ainda predomina um ambiente enfadonho e com debate reduzido. A prática do tão falado ativismo de minoritários ficará mais democrática. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou ontem uma instrução, de número 481, que regula o acesso a esses encontros. Com as novas regras, as empresas terão de ampliar as informações sobre a pauta da reunião de acionistas, facilitar o voto por meio de procurações e ainda permitir que investidores indiquem candidatos para concorrer por vagas no conselho de administração, por exemplo.

Até hoje, as assembleias não eram normatizadas com essa profundidade no país. As informações sobre os temas a serem debatidos nesses encontros limitavam-se a uma lista reduzida de itens lacônicos no edital de convocação da reunião.

Esse ambiente começou a melhorar nos últimos anos, com a expansão do Novo Mercado – atualmente com mais de cem empresas. De posse de ações ordinárias, com direito a voto, os investidores ficaram mais interessados em participar da rotina das companhias. Aos poucos, as empresas, incentivadas por grupos de grandes investidores, começaram a apresentar melhor as propostas da administração para os encontros. Mas ainda há muito a ser modificado.

A próxima temporada de assembleias, cujos meses mais agitados são março e abril, já colocará as inovações da norma em prática. A instrução vale para os encontros que ocorrerão a partir de 1º de janeiro de 2010.

Marcos Pinto, diretor da CVM, explicou que a decisão de regular o assunto neste momento se deve ao fato de o país estar vivendo um período de mudança de regime de controle societário, com o aumento do número de companhias com capital disperso na bolsa. “Faz mais sentido incentivar participação quando o investidor sabe que o voto dele fará diferença no resultado.”

O objetivo central da norma e seu principal efeito, segundo ele, é a redução do custo do acionista para participar da assembleia.

Além de pedir um detalhamento prévio a respeito dos temas que serão levados aos acionistas, de forma a facilitar a formação de uma opinião antes das assembleias, a CVM também incentiva a adoção de ferramentas eletrônicas.

Assim, o investidor poderá tanto ter acesso à informação pela internet como também votar, já que as companhias são incentivadas (mas não obrigadas) a fornecer procurações eletrônicas.

Todos esses documentos – detalhamento das propostas da administração e procurações – devem ficar disponíveis no endereço eletrônico da CVM, assim como ocorre hoje com fatos relevantes e outras comunicações ao mercado.

A CVM também deixou claro seu entendimento a respeito da entrega de documentos pelo acionista para participar dos encontros. A exigência do depósito prévio do documento só pode ser feita se estiver prevista no estatuto. Ainda assim, se o investidor comparecer ao encontro de posse de todos os itens solicitados poderá participar e votar.

O estímulo ao uso de ferramentas eletrônicas como forma de democratizar o acesso à assembleia vem junto da garantia de voz para investidores que tenham, no mínimo, 0,5% do capital da empresa. Esse grupo poderá fazer pedidos públicos de procuração, com propostas relacionadas à pauta do encontro ou até indicando candidatos para o conselho de administração.

Na prática, se a empresa não tiver um sistema eletrônico no qual possa colocar com o mesmo destaque a solicitação de voto dos investidores para suas propostas, terá de cobrir as despesas desse esforço.

Se a sugestão apoiada pelo acionista for aprovada ou pelo menos um candidato indicado for eleito, a companhia terá de cobrir 100% das despesas com publicação de até três anúncios no jornal que publica suas demonstrações financeiras e os gastos com impressão e envio dos pedidos de procuração a todos os acionistas. Caso a sugestão do investidor não seja aprovada ou nenhum candidato eleito no encontro, a empresa reembolsa 50% das despesas.

De acordo com Marcos Pinto, diretor da CVM, a ideia é evitar pedidos frívolos pelos acionistas, que não sejam no interesse da companhia.

Esse foi um dos temas sem consenso na audiência pública sobre a regra, ocorrida entre abril e junho deste ano.

O relatório desse processo indica que a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) foi contra a cobertura dos gastos das propostas de minoritários. A organização admitia a divisão (50%) dos custos somente em caso de vitória da sugestão.

Procurado, Antônio Castro, presidente da associação, explicou que a instrução merece uma análise detalhada, pois as questões envolvidas não são simples. Assim, a Abrasca ainda não tem uma opinião oficial sobre as novidades.

Pinto, da CVM, acredita que o avanço imediato que a regra traz é no acesso à informação, já que foram feitas exigências detalhadas. Quanto à maior participação e ao uso dos pedidos públicos de procuração de voto, avalia que será uma questão de tempo.

Marcos Duarte, sócio da gestora de recursos Polo Capital, destacou que o ambiente de assembleias vem melhorando muito nos últimos anos. No entanto, destaca que há ainda muito espaço para evolução. “A regra veio tempestivamente. Não vai dar para as companhias dizerem que não houve tempo para se preparar para a próxima temporada”, disse, explicando que ainda estudará as novas regras em profundidade.

O sócio da gestora Leblon Equities Pedro Rudge acredita que a ampliação do acesso à informação promovida pela instrução é um incentivo à participação nas assembleias. “Fica muito mais atrativo.” Para ele, a atuação dos acionistas nesses encontros e a forma como as empresas lidam com a situação ainda são temas nos quais o Brasil tem muito a avançar. “Já evoluímos. Mas ainda há muito a fazer.”

Rudge lembrou que or próprios fundos de investimento agora precisam ter uma política de participação nas assembleias, por recomendação da Associação Nacional das Entidades de Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima).

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