Estudo da USP revela que alta de juros aumenta mais o desemprego entre homens negros
Emprego, Sistema Financeiro, Banco Central
Pesquisa, realizada em 2023, mostra que Selic contribui para perpetuar as desigualdades socioeconômicas no país
Um estudo publicado em 2023 pelas pesquisadoras Clara Brenck e Patrícia Couto, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP, revelou que cada 1% na Selic real (a taxa Selic descontada da inflação) aumenta o desemprego de homens negros em 1,22 ponto percentual (p.p.) em relação ao grupo de homens brancos.
O impacto da taxa básica de juros do Brasil (Selic), determinada pelo Banco Central, sobre o mercado de trabalho já é conhecido. Quando a política monetária é contracionista, ou seja, quando os juros são aumentados, o crédito torna-se mais caro, contribuindo para a elevação de preços de produtos e serviços. Assim, empresas e famílias gastam menos, a economia esfria e, consequentemente, o mercado de trabalho também.
Porém, ao analisar o aumento da Selic no desemprego, com recortes de gênero e raça, o trabalho da USP ajuda a compreender a sua contribuição para as desigualdades socioeconômicas. Para isso, as pesquisadoras avaliaram, no período de 2012 a 2021, as evoluções da Selic e da taxa de desemprego, calculando quanto cada aumento de 1 p.p nos juros reais impactou nos níveis de desemprego de homens negros, mulheres negras e mulheres brancas, em relação ao nível de desemprego dos homens brancos (grupo usado como referência).
O resultado foi que enquanto o desemprego dos homens brancos aumentou 0,1 p.p, o aumento de desemprego entre os homens negros foi de 0,32%. Por outro lado, houve redução da diferença de desemprego entre mulheres negras e homens brancos (-1,03) e entre mulheres brancas e homens brancos (-1,46).
A hipótese levantada pelas pesquisadoras para esse resultado, em que os homens negros são os mais prejudicados, é que o aumento da taxa de juros afeta especialmente os setores de construção e indústria que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são os que mais empregam homens negros no país. Enquanto a maioria das mulheres negras no Brasil, por exemplo, está alocada em setores que são menos sensíveis às mudanças na taxa de juros, como serviços e de cuidado.
Para esses resultados, as pesquisadoras anularam ainda os efeitos das diferenças de escolaridade entre gêneros e raças, ou seja, as comparações foram entre trabalhadores com os mesmos graus de instrução. O levantamento também eliminou as diferenças populacionais entre os 13 estados analisados (em relação a menor ou maior quantidade de negros e mulheres). Sobre as diferenças regionais, enquanto, no cálculo geral, 1% na Selic real aumentou em 1,22% a razão de desemprego entre homens negros e homens brancos, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste esse percentual subiu para 1,46%.
"Demonstramos, assim, que a política monetária não é neutra em termos de gênero e raça, e seus efeitos adversos variam de acordo com os diferentes grupos sociais e regiões", escreveram Clara Brenck e Patrícia Couto no resumo executivo sobre o trabalho (clique aqui para acessar).
Movimento sindical exige juros baixos
“Esse recorte, apresentado pelo estudo da USP, que permite entender os impactos diretos das taxas de juros sobre a população negra, é mais um fator para que a classe trabalhadora continue lutando pela queda da Selic”, avalia o secretário de Combate ao Racismo, Almir Aguiar. “O Brasil é um país onde, por anos, a Selic elevada vem contribuindo para o aumento da pobreza e das desigualdades, e em favor da transferência de recursos do estado brasileiro para quem vive da renda sobre os juros altos”, completa o dirigente.
Atualmente, a Selic está em 15% ao ano, maior patamar em quase 20 anos (desde julho de 2006), fazendo com que o Brasil lidere o ranking mundial dos juros reais, hoje em 10,09%, superando a Rússia (8,17%) e a Turquia (6,43%).
O argumento usado pelo Banco Central para manter a Selic neste nível é por ser uma ferramenta de controle inflacionário. Entretanto, os movimentos sociais apontam que registros do IPCA, principal medidor de inflação do país, divulgados periodicamente pelo IBGE, apontam que o aumento de preços de bens e serviços estão sob controle já há alguns anos.
Para entender mais sobre esse assunto clique aqui.
