Confirmado: GDP da Caixa visa forçar “mudança de cultura”

Banco público quer que empregados tenham “valores empresarias” do mercado financeiro

A Comissão Executiva dos Empregados (CEE) da Caixa Econômica Federal se reuniu com o banco na quarta-feira (27) para dar continuidade às negociações sobre condições de trabalho nas agências e departamentos da Caixa. Em pauta, estava o retorno ao trabalho presencial dos empregados de grupos de risco à Covid-19 e temas relacionados ao programa de Gestão de Desempenho de Pessoas (GDP), Programa de Qualidade de Vendas (PQV), Participação nos Lucros ou Resultados (PLR), promoção por mérito, cross-selling (venda casada) e assédio (inclusive o gerador de “sprints” como mais uma ferramenta que pode resultar em assédio).

“Infelizmente não conseguimos debater sobre todos estes temas, pois o que ouvimos sobre o retorno ao trabalho presencial e principalmente sobre a GDP nos deixaram estarrecidos. Para usar a palavra dita por alguns de meus colegas durante a reunião, o que o banco nos apresentou é ‘surreal’”, afirmou a coordenadora da CEE, Fabiana Uehara Proscholdt, que também é secretária de Cultura da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), ao informar que o banco reconheceu que novos mecanismos da GDP, como a “curva forçada” visam mudar a cultura dos empregados da Caixa e estabelecer valores empresariais de mercado e forçar a competição pela venda de produtos.

Retorno presencial

Logo no início da reunião, a coordenadora da CEE ressaltou que a Caixa é o único banco que convocou até mesmo os empregados que fazem parte dos grupos de risco para o retorno ao trabalho presencial e reforçou o pedido de prorrogação do prazo as pessoas solicitarem a manutenção do trabalho em home office, para dar mais tempo para a obtenção do laudo médico indicando a necessidade de permanecerem trabalhando em casa.

O representante da Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Feeb/SP-MS), Carlos Augusto “Pipoca” também lembrou que, para reduzir custos, durante a pandemia o banco entregou alguns de seus prédios e promoveu a concentração de departamentos em alguns edifícios. “Com essa redução de prédios e contração dos departamentos não há estrutura suficiente para que todas as pessoas retornem ao trabalho. Precisamos lembrar que ainda estamos vivendo em uma situação de pandemia e alguns dos prédios possuem elevadores que suportam apenas quatro pessoas em situação normal. Com pandemia apenas duas. Como vai ficar a entrada e saída destas pessoas? Elas não vão nem conseguir sair para almoçar”, observou.

O representante da Federação dos Bancários da CUT do Estado de São Paulo (Fetec-CUT/SP), Leonardo Quadros, levantou a questão de casos específicos que precisam ser analisados. “Por exemplo, um casal que ambos trabalham na Caixa e já tomaram a segunda dose, mas têm uma filha de três anos que nasceu cardiopata e, não pode ser vacinada. Se eles retornarem ao trabalho presencial, a decisão da direção da Caixa estará colocando a vida da criança em risco”, disse, ao lembrar que é muito curto o prazo dado pela Caixa para que os empregados apresentem laudos médicos e/ou outros documentos que comprovem sua situação e contestem a convocação de retorno. “Além disso, a divulgação do canal (GT de Prevenção) para que isso seja feito foi muito precária e muitos funcionários não sabem como fazer”, completou.

A coordenadora da CEE alertou que os cientistas afirmam que o retorno somente deve acontecer quando 70% da população estiver vacinada e o grupo de risco com a dose de reforço e que mães com filhos menores de um ano também devem permanecer em home office, uma vez que é muito curto o tempo para a recolocação das crianças em creches devido à falta e vagas. “E estamos falando em 70% da população, não 70% dos empregados”, ressaltou.

A representação dos empregados também cobrou que o novo protocolo seja inserido no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e que os gestores de unidades sejam muito bem informados com relação à orientação sobre a possibilidade de contestação do chamado de retorno para os casos específicos.

Os representantes da Caixa afirmaram que o novo protocolo, com chamada para o retorno ao presencial, é somente para os empregados do grupo de risco e nunca houve orientação para o afastamento daqueles que não fossem do grupo de risco. Esta era uma decisão de cada gestor, de acordo com a disponibilidade de seu quadro de empregados. Com relação à proibição do retorno ao presencial daqueles que se recusem a se vacinar, o banco sustenta que não existe esta orientação e que, inclusive, para o pessoal que se manteve no presencial, sempre houve a convivência entre quem estava vacinado e quem não estava.

Isso é um absurdo! A convivência entre vacinados e não vacinados era aceitável quando não havia vacina para todos. Mas, o que estamos falando é daqueles que se recusam a se vacinar e colocam em risco a vida não apenas deles, mas também a dos colegas”, disse indignado o representante da Feeb/BA-SE, Emanoel Souza.

A Caixa se comprometeu a melhorar a comunicação aos gestores e aos empregados em geral sobre a possibilidade de contestação do retorno ao presencial com o GT de Prevenção em até cinco dias, que situações excepcionais podem ter avaliação do próprio gestor e reforçou que os pedidos de análise podem ser feitos pelo serviços.caixa. Também disse que vai analisar a questão dos prédios sem estrutura para receber os empregados, além disso, disse que pode estudar como proceder com empregados que se negam a se vacinar, no entanto, alegou não poder proibir o retorno deles ao trabalho caso eles queiram retornar.

Contratações

“A segurança para o retorno ao trabalho presencial é um ponto muito importante. Sabemos que os colegas que estão na linha de frente nas agências estão sobrecarregados e pedem para que haja aumento do efetivo de trabalho, mas essa é uma questão que queremos resolver com a contratação de mais empregados, não colocando em risco a vida daqueles que têm alguma comorbidade e que, por isso, foram afastados”, disse Fabiana ao cobrar os números de contratações realizadas em 2021 e especificamente aquelas realizadas depois de agosto, quando o Ministério da Economia autorizou o aumento do efetivo da Caixa.

A Caixa informou que no primeiro semestre de 2021 foram contratados 2.800 novos empregados. De agosto até 25/10 foram contratados outros 1.500. A portaria do Ministério da Economia, publicada em agosto, autoriza a contratação de mais 3.300 novos empregados, aproximadamente.

“Precisamos que estas contratações sejam realizadas o mais rápido possível para desafogar os empregados que estão sobrecarregados, sem colocar em risco aqueles que têm necessidade de se manterem afastados até que haja segurança para o retorno ao presencial”, cobrou a coordenadora da CEE.

GDP

O ponto mais polêmico da reunião foi o debate sobre as novas medidas do programa de Gestão de Desempenho de Pessoas (GDP) implementadas em 2021. Segundo a representante da Caixa, o movimento sindical não concorda com a GDP por uma questão ideológica.

Para a coordenadora da CEE, a maior preocupação é com o reflexo da GDP na carreira dos trabalhadores. “Hoje aqueles que não têm avaliação, são muito novos, são impedidos até de fazer o processo de seleção interna e não têm possibilidade de concorrer às vagas existentes. São reflexos graves na vida dos trabalhadores. Isso não é questão ideológica, mas o fato de que, a cada ano, a GDP apresenta mais retrocessos, mais pontos de prejuízos aos empregados”, disse.

Fabiana disse ainda, que, apesar de o movimento sindical discordar da GDP, sabe que se trata de um mecanismo que o banco utiliza para gestão. “Ao contrário do que pensa o banco, queremos discutir sim a GDP. Se o banco vai utilizar esta ferramenta para a gestão do desempenho de seus empregados, queremos discutir formas para que a ferramenta não seja utilizada para o assédio, o ranking, enfim, como forma de medir apenas a capacidade de venda de produtos, sem avaliar o desempenho como um todo”, disse.

A Caixa informou que o banco fez uma pesquisa na qual os entrevistados disseram concordar com a GDP, seus mecanismos e apontaram problemas pontuais. Disse também o que o banco quer com a GDP e como funcionam os novos mecanismos de “gestão” implementados agora em 2021. Segundo uma representante da Caixa, o banco quer que seus empregados tenham “valores empresariais” e a “curva forçada”, visa mudar a cultura de trabalho e aumentar o interesse de ascensão profissional, ao ajudá-lo a se comparar com os demais.

Para a Caixa a GDP traz clareza ao trabalho e que a cartilha de sua aplicação prevê parâmetros para calibrar os objetivos para cada uma das funções e os gestores estão sendo preparados isso. O banco defende que o resultado da GDP não refletia o real desempenho dos empregados e, por isso, aplicaram a “curva forçada”, que visa gerar mudança cultural no sistema de avaliação. A Caixa disse ter ciência de que a curva é um instrumento atrasado.

A CEE disse que o problema do modelo não é pontual, como a direção do banco quer fazer parecer, mas sim estrutural. Disse que a mudança cultural, que os representantes do banco admitem que pretendem promover, é uma violência com os empregados, e que, como efeito, os está levando ao adoecimento.

O representante da Federação dos Bancários do Estado do Rio de Janeiro (Federa/RJ), Rogério Campanate, foi taxativo ao falar sobre a curva forçada. “É um mecanismo retrógado, que parte do princípio que 5% não atende aos requisitos exigidos pela Caixa, que na verdade tratam-se apenas de apontar quem vende e quem não vende. É um mecanismo que reforça e abre possibilidades para o assédio moral e o ranking de pessoas, que é proibido pela nossa Convenção Coletiva”, observou o dirigente da Federa/RJ.

Para a CEE, o resultado da “curva forçada”, nos locais em que foi implementada, foi a desagregação das equipes e a piora do clima organizacional, lembrando que a mesma foi abandonada pelo mercado e que a mesma foi criada para demitir pessoas. “Os empregados estão revoltados com esta ‘curva forçada’, que acaba sendo uma fonte de assédio moral institucionalizada pela empresa. A Caixa precisa lembrar que seus empregados são concursados e, por mais que o governo tenha tentado acabar com a estabilidade, ela ainda existe. Não adianta querer forçar os empregados a empurrar produtos desnecessários para os clientes”, disse indignado o representante da Feeb/BA-SE.

O representante da Federa/RJ lembrou que existem casos de suicídios de trabalhadores, que não se enquadraram ao que o mercado lhes forçava a fazer. “Vocês querem trazer essa realidade para dentro da Caixa?”, questionou, reforçando que a ferramenta é imposta pela empresa.

A CEE também questionou qual é a preparação dada aos gestores e chefes de departamento com relação à aplicação da GDP, já que há exemplos de “objetivos Smart” de caixas maiores do que os de gerente de varejo. A CEE lembrou, ainda, que não há nenhuma forma do empregado validar o que foi estipulado pela chefia como objetivo que ele deve cumprir e questionou se o acordo de desempenho deveria ser acordado entre banco e empregado. Como a Caixa respondeu que sim, a CEE questionou, porque há um item que é obrigatório na rede, que é o Time de Vendas (TDV). Disse existir inúmeros casos em que os objetivos foram lançados sem a ciência do empregado e outros em que, após o lançamento, a chefia alterou sem que o empregado soubesse da alteração.

A Caixa disse que a validação pelo empregado, pode ser avaliada pela empresa.

A representação dos empregados apontou ainda casos de chefias de agências, com autorização de superintendentes, que têm feito ranking de funcionários e inclusive colocado tais rankings em grupos nas redes sociais e chats privados de comunicação (WhatsApp) e utilizado a ferramenta de “sprints” para forçar a “venda casada” de produtos aos clientes sem que os mesmos tenham necessidade. “Uma dos exemplos da pressão que os empregados tem sofrido é o incentivo de a fazer a chamada ‘troca com troco de seguro prestamista’, prática que prejudica todas as partes envolvidas. Se houver um sinistro ou uma reclamação, quem pode responder pela prática é o empregado, já que a posição oficial dos representantes da empresa na mesa é que a prática não é orientação e que é irregular”, apontou Leonardo Quadros, da Fetec-CUT/SP.

Outra representante da Caixa defendeu a posição do banco dizendo que “precisamos passar pela curva forçada para avançar na questão do desempenho”. Um terceiro integrante da representação da Caixa agradeceu os apontamentos trazidos pela representação dos empregados e disse que não é intenção da Caixa usar os mecanismos para assédio, promoção de rankings entre empregados, ou forçar o cumprimento de metas irá reforçar a comunicação com os gestores para que estas práticas não sejam realizadas.

A CEE discordou da posição da Caixa. “As entidades tem recebido muito mais reclamações sobre o modelo da GDP imposto pela direção do banco neste ano que recebeu nos anos anteriores. Disseram que realizaram uma pesquisa entre os empregados antes de implementar este modelo, mas, pelas reclamações que temos recebido, não devem ter implementado nenhuma sugestão dos empregados ouvidos nesta pesquisa”, ponderou Leonardo Quadros, que além de representante da Fetec-CUT/SP é presidente da Associação do Pessoal da Caixa do Estado de São Paulo (Apcef/SP).

“Nossa sugestão é fazermos uma pesquisa conjunta sobre o programa de Gestão de Desempenho de Pessoas e os mecanismos utilizados por ele. Se a Caixa quer mesmo saber o que os empregados acham da GDP e valoriza tanto nossos apontamentos, vamos juntos construir uma pesquisa e ouvir o que os empregados têm a dizer”, sugeriu a coordenadora da CEE.

Continuidade das negociações

A próxima reunião de negociações não foi marcada. O banco entrará em contato com a coordenação da CEE durante a próxima semana para agendar a nova data.

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