Brasil precisa pensar nos trabalhadores e nos famintos
Movimento Sindical
Chororô do mercado visa manutenção dos privilégios fiscais sobre especulação financeira
Os especuladores financeiros, que teimam em se autodenominar “mercado”, estão alvoroçados com as declarações do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que o Brasil precisa garantir recursos para que os brasileiros mais pobres não passem fome e possam viver, pelo menos, com um mínimo de dignidade. As declarações de Lula se expressam, na prática, pela chamada PEC da Transição, que, entre outras coisas, tira os recursos para o pagamento do Bolsa Família do limite de gastos do Governo.
“A responsabilidade fiscal tem que caminhar junto com a responsabilidade social, para acabar com a fome dos 40 milhões de brasileiros que vivem na miséria. A prioridade é fazer o Brasil crescer e não fazer reserva para o mercado financeiro”, defende a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira. “A gente vê o mercado financeiro especulando só para enriquecer, fazer o dólar crescer para vender e fazer esse processo de especulação. Este é um tipo de economia que o mundo precisa rever e repensar, para que seja possível planejar o país para os próximos anos. O futuro do Brasil precisa ter um planejamento estratégico”, completou.
Teto dos gastos
Para Juvandia, o governo precisa e vai manter a responsabilidade fiscal, mas ela defende que existem formas de se conseguir recursos para também ter responsabilidade social sem a necessidade de se endividar. “É óbvio que o Brasil precisa ter responsabilidade fiscal, mas em vários países já se provou que este teto de gastos do jeito que foi pensado aqui no Brasil não funciona. Eles ultrapassam o teto e, aqui no Brasil, nos últimos quatro anos, se estourou o teto”, disse.
O economista Gustavo Cavarzan, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) observa que a regra do teto de gastos, como foi formatada em 2016, não tem como funcionar na prática. “Ela limita os gastos do governo apenas à correção pela inflação. Isso significa que, em momentos nos quais o país cresce e a arrecadação fiscal aumenta em patamares superiores aos da inflação, esse excedente de arrecadação não pode ser utilizado para atender às demandas sociais da população brasileira”, explicou. “O excedente acaba indo totalmente para os credores da dívida pública, pois a única despesa que ficou de fora do teto de gastos são as despesas financeiras do governo. É uma regra sem sentido, sem justiça social e, ainda por cima, não contribui para ajustar as contas públicas, pois limita o crescimento do país”, completou.
Para Cavarzan, a melhor maneira de ajustar as contas públicas é melhorando a qualidade do gasto público e investindo em áreas que darão retorno em forma de arrecadação. “Quando a economia cresce, os salários e lucros aumentam, o nível de emprego formal aumenta, as vendas no comércio aumentam, a tendência é que cresça a arrecadação do governo, gerando um equilíbrio das contas públicas, com redução da relação dívida/PIB e geração de superávits primários, como ocorreu nos primeiros mandatos do presidente Lula”, disse.
Para o economista do Dieese, no momento em que o país vive, a atual regra de teto de gastos faz menos sentido ainda. “Temos uma enorme parcela da população brasileira desempregada, subocupada, ocupada na informalidade, vivendo em condições de fome e miséria. É necessário incluir essas pessoas no orçamento público para que elas voltem a trabalhar em condições dignas e possam consumir, gerando assim uma dinamização da economia que, inclusive, melhorará as contas públicas”, explicou, ao lembrar que tanto a crise internacional de 2008 quanto a pandemia do coronavírus fizeram a teoria econômica dominante se reinventar e mesmo os centros econômicos mais conservadores, como FMI e Banco Mundial, já mudaram sua posição sobre a austeridade e passaram a admitir a necessidade de maior intervenção dos gastos públicos para resgatar a economia e o social, notadamente em momentos de crise. “Nesse sentido, o Brasil está muito atrasado no debate mundial”, afirmou.
Propostas
Juvandia ainda lembrou que em seus oito anos de governo, Lula mostrou que o investimento no setor produtivo ajuda a aumentar a arrecadação e a gerar superávit primário para pagar as dívidas. “Além disso, defendemos que haja desoneração da população mais pobre, com isenção de imposto de renda para aqueles que ganhem até R$ 5 mil e a criação de novas alíquotas para aqueles que ganham verdadeiras fortunas, para aumentar a arrecadação e compensar a desoneração dos mais pobres”, disse. “Também é preciso pensar na taxação sobre os dividendos. Não é justo que o rendimento sobre o salário seja taxado e o rendimento de sócios e acionistas de empresas seja isento”, completou.
Projetos que tramitam no Congresso Nacional, propostos pela Campanha Tributar os Super-Ricos, do qual a Contraf-CUT faz parte, propõem, entre outras coisas, a taxação de grandes fortunas e dos dividendos, como forma de arrecadar recursos para investimentos nas áreas sociais.
Revisão da reforma trabalhista
Além da garantia de recursos para as áreas sociais, Juvandia também defende a revisão da reforma trabalhista realizada após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff e aprofundada durante o governo Bolsonaro.
“A classe trabalhadora perdeu muitos direitos que haviam sido conquistados depois de décadas de luta. Estas perdas precisam ser revistas. Mas, de forma emergencial, é preciso reverter pelo menos três pontos: o regime de trabalho intermitente, que precariza o trabalho e retira diversos direitos do trabalhador; a autorização para a realização de acordos individuais entre patrões e trabalhadores, que gera pressão sobre os empregados e desvaloriza as negociações coletivas; e também é preciso voltar a ultratividade, para impedir que direitos sejam retirados dos trabalhadores em meio ao processo de negociação para a renovação das convenções coletivas de trabalho de cada categoria”, defende a presidenta da Contraf-CUT. “Além disso, é preciso que haja o retorno das homologações de rescisões de contrato nos sindicatos, para evitar erros das empresas nos pagamentos de direitos”, completou.