Valor Econômico mostra quem são ‘os discretos herdeiros do Itaú’

Vanessa Adachi e Raquel Balarin
Valor Econômico (08/09/2008)

Ele é um empresário da área de incorporação imobiliária que desenvolve projetos no Nordeste do país. Ela, dirigente de uma ONG voltada para a defesa dos direitos das crianças na zona leste da capital paulista. Alfredo e Ana Lúcia são gente comum, não fosse por um detalhe: são os maiores acionistas individuais de um dos maiores grupos empresariais do país. Herdeiros do sobrenome Villela, detêm juntos ao menos 23% das ações com direito a voto da holding Itaúsa, que controla o Banco Itaú, a Duratex e a Itautec. Suas participações individuais superam as dos herdeiros de Olavo Setubal. Juntos, os Setubal e os Villela controlam o grupo Itaúsa.

Faz alguns anos que se cristalizou a idéia de que Milú Villela seria a maior acionista do grupo. Engano. São seus sobrinhos, Alfredo Egydio Arruda Villela Filho, 38 anos, e Ana Lúcia de Mattos Barretto Villela, 35 anos, que ocupam essa posição. Eles são filhos do irmão de Milú, também chamado Alfredo, que morreu em um acidente aéreo em 1982, com sua mulher Maria Silvia. Ainda pequenos quando perderam os pais, foram criados pela tia.

Até poucos anos atrás, não apareciam como acionistas nos documentos oficiais e, se pudessem escolher, continuariam no anonimato. Mas está cada vez mais difícil evitar a exposição. Na sexta, o grupo anunciou uma série de mudanças nos conselhos de administração, em decorrência da morte do banqueiro Olavo Egydio Setubal, e comunicou também que Alfredo Villela Filho, conhecido como Alfredinho, assumirá a presidência executiva da holding Itaúsa.

Sua indicação para o cargo não representa uma mudança na estrutura de comando do grupo. O cargo tem um caráter simbólico, uma vez que a holding não tem funções operacionais. Cada uma das empresas controladas tem estrutura de comando própria e isso não mudará. Tanto assim que, por alguns períodos da história do grupo, o cargo de presidente executivo da Itaúsa ficou vago.

A rapidez com que foram anunciadas as mudanças, pouco mais de uma semana depois da morte de “Olavão”, indicam que a sucessão no grupo transcorre de maneira tranqüila. Na terça da semana passada, logo após a missa de sétimo dia, um núcleo reduzido dos dois ramos da família Egydio de Souza Aranha – os Villela e os Setubal – se reuniu para discutir as mudanças. Já na quarta, as indicações foram aprovadas por todos.

As alterações mais relevantes foram a nomeação de José Carlos Moraes Abreu para a presidência do conselho da Itaúsa e a de Carlos da Camara Pestana para a presidência do conselho da Itaú Holding Financeira. Amigo de Olavo Setubal, Moraes de Abreu redigiu, em 1947, o contrato de fundação da Artefactos de Metal Deca, a primeira empresa do grupo, hoje incorporada à Duratex. O português Camara Pestana presidiu o Banco Português do Atlântico e fugiu de seu país durante a Revolução dos Cravos, nos anos 70. No Brasil, chegou a presidir o Itaú entre 1990 e 1994.

A sucessão já era um tema superado dentro do conglomerado Itaúsa muito antes da morte de Olavo. Suas ações já haviam sido doadas em vida aos sete filhos, ficando, cada um, com 4,14% do capital votante da holding. Antes disso, os dois ramos da família já haviam reunido suas participações societárias dentro da companhia E.S.A., iniciais do nome do patriarca da família e fundador do banco, Egydio de Souza Aranha, que era tio de “Olavão” e avô de Milú. Em 1982 firmaram acordo de acionistas com o objetivo de definir as regras societárias entre os Setubal e os Villela e perpetuar o grupo. Atualizado no início desta década, o acordo define que os dois ramos devem votar de modo “uniforme e permanente”, ou seja, sempre juntos. Pelas regras, não importa o número de ações detido pelos herdeiros. Os Setubal têm direito a indicar dois conselheiros da Itaúsa, os Villela, outros dois, e os demais são escolhidos por consenso.

Muito embora o número de ações não se traduza em votos, a última versão disponível do acordo, de junho de 2001, mostra que Alfredinho e sua irmã Ana Lúcia tinham 263 milhões de ações ordinárias da Itaúsa. Milú Villela e seus filhos Ricardo e Rodolfo Marino tinham 125 milhões de ações. Todo o ramo Setubal, incluindo “Olavão” e seus sete filhos, tinham juntos 236 milhões de ações.

No último arquivo da Itaúsa enviado à Comissão de Valores Mobiliários, Alfredo e Ana Lúcia tinham, cada um, 11,82% das ações com direito a voto. Milú tinha 7,15% das ON, Camargo Corrêa Cimentos, 10,16% e Fundação Itaú Social, 8,25%. Os Setubal não aparecem porque a legislação obriga a divulgação apenas de participações iguais ou superiores a 5%.

Apesar de posição acionária tão relevante, Alfredinho e Ana Lúcia, ambos casados, nunca demonstraram vontade de ocupar cargos executivos nas empresas do grupo e nem mesmo no banco. Alfredo é membro de todos os conselhos de administração, mas não tem sala na sede do grupo. Formado em engenharia mecânica pela Mauá e com pós-graduação em administração pela Fundação Getúlio Vargas, preferiu seguir seu próprio caminho. Aparentemente, não tem a mesma preferência do pai, conhecido pela grande habilidade em operar com ações. Essa qualidade rendeu aos Villela um acréscimo relevante na participação acionária no grupo. Um amigo que operava com ele no pregão, nos anos 70, conta que Alfredo não se cansava de recomendar aos outros que comprassem ações da empresa que viria a ser a Itaúsa.

Ana Lúcia, seguindo a tradição familiar, rompida até hoje apenas por sua tia Milú, prefere não ocupar qualquer posição no grupo. Formada em pedagogia, com mestrado em psicologia pela PUC-SP, ela participa de conselhos de instituições como Conectas, Instituto Brincante e Itaú Cultural, mas sua menina dos olhos é mesmo o Instituto Alana (fusão dos nomes Alfredo e Ana), uma ONG que fundou com o irmão em 1994. No Espaço Alana, eles desenvolvem atividades nas áreas de educação, saúde e cultura para comunidades carentes. No outro projeto de destaque do instituto, o Criança e Consumo, o objetivo é conscientizar os pais sobre o consumismo exagerado de crianças e adolescentes.

É na sede do instituto, no afastado bairro Jardim Pantanal, na zona leste paulistana, que Ana Lúcia gosta de passar seus dias. Nos últimos meses, teve que reduzir o ritmo de trabalho porque está grávida do primeiro filho. Vem aí mais um herdeiro.

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