Para presidente do BNDES, não há risco de descontrole fiscal no Brasil

Raquel Landim,
O Estado de S. Paulo

O presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, nega que exista “descontrole fiscal” no País. Ele afirmou que está fazendo as contas do custo dos empréstimos do Tesouro ao BNDES e deve apresentar os resultados “em breve”.

Nas últimas semanas, o papel do banco foi questionado dentro e fora do governo. A oposição criticou o BNDES por direcionar recursos para a formação de transnacionais. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que o aumento do crédito direcionado exige uma taxa básica de juros mais alta.

“A atuação benigna do BNDES torna a política monetária mais eficiente”, disse Coutinho, que atribui as críticas ao período eleitoral.

A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado em São Paulo.

Especialistas dizem que o BNDES funciona como um orçamento paralelo. Como o senhor avalia isso?

Vejo essas críticas com certa naturalidade porque estamos vivendo um período polêmico por causa da eleição. Mas há também uma boa dose de desinformação. As regras de aplicação dos recursos do BNDES são transparentes. O custo da origem dos recursos é transparente. Não há qualquer semelhança à ideia do passado de um orçamento paralelo. Essa é uma comparação indevida.

Os economistas comparam com a conta movimento do Banco do Brasil. (Extinta em 1986, a conta-movimento transferia recursos do BC para o BB.)

O BB funcionava como autoridade monetária. Existia inflação alta e orçamentos monetário e fiscal separados. A inflação alta permitia que a diferença entre passivos e ativos fosse usada para emitir crédito e cobrir gastos correntes. Hoje são empréstimos do Tesouro com custo fiscal explícito e transparente. As operações do BNDES são lucrativas para o banco e também para o Tesouro.

O senhor diz que o custo fiscal dos empréstimos do Tesouro é transparente. Mas de quanto é essa conta?

Essa conta é imprecisa, porque é preciso projetar o custo de captação do Tesouro no longo prazo, a trajetória futura da Selic, da inflação, da TJLP (taxa de juros de longo prazo do BNDES), além do crescimento da economia. É preciso avaliar ainda algo que tem sido ignorado: sem o BNDES, o custo de capital para o setor privado subiria.

Os investimentos seriam menores, reduzindo emprego, renda, produção e arrecadação. Há um ganho fiscal relevante com o crescimento do investimento. Ao avaliar benefício versus custo, a impressão que temos é que o resultado fiscal líquido da atuação do BNDES é positivo. Estamos fazendo essas contas e vamos apresentar em breve.

Outro efeito dos empréstimos do BNDES é o aumento da dívida bruta. O senhor está preocupado com isso?

Eu queria qualificar isso. Mais de 60% do aumento da dívida bruta veio das operações compromissadas do Banco Central com o mercado (na crise, o BC emprestava aos bancos para dar liquidez com a garantia de recomprar no outro dia); 28% a 29%, dos empréstimos do BNDES; e o resto, de outras operações.

É preciso, primeiro, colocar os pingos nos is. As operações do BNDES não apoiam aumento de gastos correntes, mas expansão do investimento. É o tipo de endividamento saudável. A dívida bruta já está caindo. Existe um compromisso da Fazenda e do Tesouro de manter um superávit robusto em 2010. Não existe risco de descontrole fiscal no Brasil. Estão fazendo tempestade sem substância.

O BC subiu os juros. O BNDES vai na contramão expandindo o crédito?

É outra crítica desinformada. O investimento precisa subir para criar oferta e relaxar tensões inflacionárias. Inverto o jogo: a ampliação de oferta, propiciada pela atuação do BNDES, torna a política monetária mais eficiente. É claro que o Banco Central ajuda ao subir a taxa de juro e conter o ímpeto do crédito ao consumo. Nos últimos meses, após a alta da Selic, as expectativas de inflação, que vinham se deteriorando, ancoraram e já começam ceder. A eficiência da política monetária brasileira não está diminuindo, mas aumentando com a atuação benigna do BNDES.

Mas são prazos diferentes. Em entrevista ao jornal Valor, o presidente do BC, Henrique Meirelles, disse que a alta do crédito direcionado exige uma Selic mais alta agora.

Eu não vi a declaração do Meirelles, mas isso não significa que a política monetária é menos eficiente. O PSI (Programa de Sustentação do Investimento) completou um ano e os efeitos de aumento concreto de capacidade de oferta vão começar a aparecer nos próximos meses. É claro que há uma defasagem temporal, mas a arte da política monetária é conciliar isso, mantendo as expectativas de inflação sob controle. O BC tem feito isso com sucesso. Tenho um diálogo fluido e frequente com Meirelles e sempre buscamos a convergência.

O fogo amigo incomodou?

Não houve fogo amigo. Proponho outra hipótese: a ampliação firme do investimento é benigna para a estabilidade. Obviamente é um debate entre economistas. Uma visão puramente quantitativa leva a uma conclusão. Uma visão dinâmica pode levar a outra.

O senhor chegou a falar com Meirelles sobre esse episódio?

Nós conversamos com frequência e esse suposto debate foi comentado amigavelmente, sem estresse.

O senhor acredita que a economia está desacelerando?

Tivemos um crescimento muito forte de vendas e consumo, motivado por uma série de incentivos tributários que tinham data para acabar. Analistas projetaram uma trajetória explosiva que não está se configurando. Na verdade, já ocorreu um ajuste. A economia está em um ritmo sustentável.

Temos de trabalhar para aumentar mais a taxa de investimento e de poupança do Brasil. Tenho batido nessa tecla. Antes da crise, a taxa de investimento estava perto de 21% do PIB, caiu para 16% e agora volta para 19%. Temos de remar para atingir 23%, 24%.

O grande desafio é financiar adequadamente esse aumento do investimento. Chegou o momento dos mercados de capitais e de crédito se desenvolverem. Não é desejável que o BNDES continue sendo a única fonte de capital de longo prazo do Brasil.

Ainda vai demorar para o setor privado financiar investimentos. O Brasil tem vários projetos em 2011, como a hidrelétrica de Belo Monte, o trem-bala, Copa e Olimpíadas. O BNDES vai precisar de mais aportes do Tesouro?

Temos tido um diálogo muito positivo com o sistema financeiro privado. Do sucesso dessas iniciativas dependerá alguma necessidade adicional de funding para o BNDES em 2011. Também estamos discutindo com o ministério da Fazenda alternativas que reduzam os impactos do funding do BNDES sobre o Tesouro.

Temos de organizar um processo de transição. Uma retirada rápida do BNDES do financiamento de longo prazo ampliará o custo de capital para o setor privado, punindo o investimento. Mas a continuidade da expansão do BNDES inibe o mercado. Mas você tem razão em achar que será gradualista.

Se é gradual, o BNDES vai precisar de dinheiro em 2011?

Sim, mas estamos buscando novas modalidades para tornar o processo menos dependente do Tesouro.

A política de formação de campeões nacionais vai continuar? Essa política prejudica o consumidor?

O Brasil estava atrasado nesse processo. Eu tinha até um pouco de vergonha de o País não ter grandes empresas em setores que é competitivo. Obviamente o respeito ao consumidor deve prevalecer. Temos um Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência com capacidade de impor remédios que removam o aumento do poder de mercado que põe em risco os interesses do consumidor.

Esse processo precisa ser feito, como manda a lei. Mas não podemos esquecer os ganhos de ter empresas globais. Outra crítica mal-informada é que operações de consolidação ou aquisição seriam feitas com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalho). Não é verdade. Todas as operações de consolidação têm sido feitas rigorosamente a custo de mercado. Nós não estamos sacrificando nenhum centavo de recursos públicos.

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