Pacote de Temer sinaliza para desconstrução da atuação do Estado na economia, diz economista

Por trás da difícil terminologia da ciência econômica, o pacote de medidas que o governo interino de Michel Temer anunciou nesta terça-feira  (24) traz uma mensagem política e conceitual clara: ele sinaliza para a desconstrução da atuação do Estado na economia e do chamado Estado de bem-estar social, que começou a ser estruturado com a Constituição de 1988. A opinião é do economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A primeira coisa a se destacar, diz, é que, ao contrário do que se esperava, não houve anúncio de ajuste fiscal de curto prazo. “A peça de Temer prevê um déficit de quase o dobro do que a Dilma previa, que era de R$ 96 bi. O dele é de R$ 170 bi, e não vi ninguém dizer que é um absurdo. O governo anunciou um projeto de reformulação da Constituição, no sentido de que a Constituição de 1988 se constrói com base na ideia de ampliação dos direitos sociais. O que Temer anuncia é alterar essa estrutura de direitos. Os direitos não são mais garantidos, como o próprio Meirelles já disse."

Para o economista, na hipótese de Temer ficar até o fim do mandato, em 2018, daria tempo de desconstruir grande parte do "Estado do bem-estar social". As propostas do pacote contêm, explicitamente ou subjacentes a elas, os princípios de enxugamento do Estado. “Se o Congresso estiver alinhado com o governo, e não sei se vai estar, ele conseguiria aprovar a reforma da Previdência, a lei de limitação de gastos públicos, a desvinculação das receitas fiscais para educação e saúde, desvinculação do salário mínimo aos benefícios sociais", analisa Mello. “Só com essas quatro mudanças você desmonta quase todo o sistema de proteção social e serviços públicos que a Constituição de 1988 montou, para não falar em reforma trabalhista”, disse, oque, por si só, já seria um grande golpe.

Mello avalia que a regra pela qual a despesa pública deve crescer no máximo limitada à inflação vai penalizar os programas e investimentos sociais. “Não adianta o país crescer e a receita crescer. Se o país melhorar, o que vai ter para a educação é o que tem hoje, nem um centavo a mais.” Segundo ele, para tornar viável essa proposta serão necessárias emendas à Constituição. “Pela regra deles, pode aumentar a arrecadação de impostos e o país crescer, mas não vai ser usado para o Estado de bem-estar social. Provavelmente vai ser usando para pagar juros da divida.”

Segundo Mello, se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estivesse sujeito a essa regra, não haveria Minha Casa, Minha Vida, ProUni e outros programas sociais. “Esses programas só foram possíveis porque o crescimento e consequentemente o aumento de arrecadação permitiram o financiamento.”

Mello destaca como emblemática do pacote a intenção do governo de determinar a devolução de R$ 100 bilhões de recursos do BNDES ao Tesouro Nacional. Ao contrário do que se poderia supor, não se trata de injetar dinheiro na economia produtiva.  “O impacto disso no superávit primário é praticamente nenhum. Vai haver algum impacto no déficit nominal, porque vai reduzir o pagamento de juros e subsídios. O maior impacto concreto disso vai ser no poderio financeiro do BNDES, que vai diminuir.”

Do ponto de vista fiscal, a proposta relativa ao BNDES não muda nada. "Os R$ 100 bilhões vão ser absorvidos pelo BC, mas vai-se tirar vigor do BNDES. O que muda é o tamanho do Estado, a possibilidade de um banco público atuar no desenvolvimento econômico.”

A equipe de Temer pretende extinguir o chamado fundo soberano, criado com o pré-sal, para com seus recursos ajudar a reduzir o endividamento público. “Vamos talvez extinguir o fundo, enfatizo o talvez, e trazer esse valor para reduzir o endividamento público. Essa matéria, como a do BNDES, depende apenas do Executivo”, disse Meirelles.

Para Guilherme Mello, o Fundo Soberano é irrelevante do ponto de vista fiscal e tem importância mais política. “Não é importante enquanto valor, são só R$ 2 bi. É relevante como conceito. Fundo Soberano é a possibilidade que o governo tem de, em vez de manter sobra de caixa, aplicar em empresas brasileiras que querem expandir atividades no exterior ou até em obras em infraestrutura ao redor do mundo. Com as medidas, isso acaba. Está desconstruindo mais um mecanismo do Estado, de atuação e intervenção na economia.”

 

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