Movimentos sociais voltam a cobrar de Dilma retomada do diálogo

A primeira reunião do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social está marcada para 17 de fevereiro. Seria lá, e não em balões de ensaio lançados via imprensa, o lugar de o governo debater a situação da Previdência e sua sustentabilidade. O fórum reúne trabalhadores, empresários e autoridades governamentais e foi criado em abril de 2015, justamente durante o processo de debates que levou ao novo método de cálculo para as aposentadorias – a fórmula 85/95, alternativa ao fator previdenciário.

Se concordou com a criação do colegiado, autoridades como o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e a presidenta Dilma Rousseff deveriam conter seus ímpetos de ventilar planos de ampliação da idade mínima, atualmente de 48 anos para mulheres (com 20 de contribuição) e de 53 anos para homens (com 35 de contribuição). A própria fórmula 85/95 já impõe um aperto a essa regra ao estabelecer que, para se aposentar com benefício integral, uma mulher com 30 anos de contribuição terá de ter 55 de idade para chegar à pontuação 85, e um homem com 35 de contribuição terá de chegar aos 60.

A alteração cria vantagens em relação ao fator e dá à previdência brasileira – um dos mais abrangentes programas de proteção social do mundo – fôlego para que tenha seu futuro discutido democraticamente. E já prevê que a exigência aumentará um ponto a cada dois anos, chegando a 95/100 em 2027. Em nota, a direção executiva da CUT afirmou que a central tem propostas e pretende dialogar. “É preciso discutir todo o sistema de Seguridade Social”, defende a central, apontando para problemas como sonegação e isenções que devem ser absorvidas pelo Tesouro, e não pela Previdência, pelo seu caráter fiscal.

“Esse diálogo deveria se dar no Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social”, diz a CUT. A discussão se soma à preocupação com projetos no Congresso que dizem respeito a direitos trabalhistas, entre os quais o da terceirização, e que já ocupam a agenda de trabalho de centrais sindicais e movimentos sociais. A frente que somou forças ao longo de 2015 e fechou o ano com grandes manifestações em defesa do mandato de Dilma segue reunida para dar continuidade a essa resistência. Mas não a qualquer preço.

“Só será um ano diferente se o governo agir de maneira diferente. As ruas só vão defender o projeto democrático popular se tiverem o que defender. A continuidade da atual política econômica, voltada aos interesses do mercado, vai gerar mais inflação, desemprego e cortes nas políticas sociais”, diz o presidente da CUT, Vagner Freitas. Ele se refere ao resultado da política econômica em 2015. A inflação ultrapassou os dois dígitos e o desemprego está chegando lá. A atividade econômica despencou, e com ela a arrecadação de municípios, estados e União. As despesas com juros, além de não conterem a inflação e inibirem investimentos produtivos, contraditoriamente desmontam o esforço fiscal do governo. O orçamento admitiu gastos de R$ 277 bilhões com juros, 8% do PIB. O cenário derrubou Joaquim Levy na Fazenda.

Pesa a favor de seu substituto, Nelson Barbosa, a proximidade com a escola desenvolvimentista, a distância do mercado financeiro e a disposição ao diálogo. Sem ser obsessivo com metas de inflação e superávit, Barbosa é tido como pragmático, porém cauteloso. “Ao menos, sinaliza a retomada de uma economia um pouco mais agressiva, mas o ministro da Fazenda, isoladamente, não pode fazer muita coisa”, diz o economista Luiz Carlos, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O ministro já defendeu a expansão do crédito para reativar o setor de construção e apoiar pequenas empresas.

Indo além de uma “sinalização”, o governo também conseguiu terminar o ano com aceno positivo na manutenção da política de reajustes do salário mínimo. Com o aumento de 11,67%, para R$ 880, a partir de 1º de janeiro, o ganho real do mínimo chega a 77,3% acima da inflação acumulada desde 2002. Segundo o governo, terá peso de R$ 4,8 bilhões no orçamento. Mas de acordo com o Dieese será capaz de injetar R$ 57 bilhões na economia e proporcionar retorno de R$ 30,7 bilhões em arrecadação. “Cada R$ 1 de acréscimo no salário mínimo tem um retorno de R$ 293 milhões ao ano somente sobre a folha de benefícios da Previdência”, diz o coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre.

Sociedade se move

Se parte da sociedade se deixou levar pela campanha de ódio conduzida pelos jornais, pelos partidos de oposição e por setores do Judiciário – semeadores da tese de que a corrupção é invenção dos governos do PT –, outra parte, volumosa e organizada, entendeu que não se trata de derrubar Dilma, Lula ou PT, mas ideais de crescimento econômico com amplia- ção de direitos da cidadania e redução de desigualdades. Foi o que levou a manifestações expressivas, a última delas em 16 de dezembro. Contra o chamado golpismo e também com a esperança de que o governo vença o medo e retome um programa mais à esquerda.

A reação social não se deu apenas nas ruas. Em contraposição à conduta belicosa de parte do empresariado, liderada por figuras como o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e sua cruzada contra a CPMF, outras organizações empresariais partiram para uma atitude mais propositiva. E, em 17 de dezembro, entregaram à presidenta da República um documento assinado em conjunto com as centrais, Compromisso para o Desenvolvimento.

As propostas pedem apoio às pequenas empresas, expansão de políticas de crédito, condições para o aumento da produção e das exportações da indústria de transformação, políticas de incentivo e sustentabilidade ao setor produtivo (como agricultura, indústria, comércio e serviços) e de adensamento das cadeias produtivas. Em uma das reuniões que precederam a entrega do documento, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, assinalou que questões políticas também ajudaram a “corroer a economia”. Segundo ele, o fato de setores patronais e representantes sindicais se reunirem em busca de rumos para a economia brasileira mostra que, apesar dos diferentes pensamentos, é possível discutir um outro caminho para o país. Para o executivo, vencidas as barreiras políticas, pode-se pensar em otimismo. “É possível pensar em um 2016 não no azul, mas caminhando para o azul.”

Sindicalistas e empresários, juntamente com representantes de universidades, movimentos populares e outras entidades da sociedade civil devem ainda, em breve, ser chamados pelo governo para recompor o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na tentativa de repetir o êxito da iniciativa idealizada no primeiro governo Lula. O “Conselhão”, como ficou conhecido, tem o papel de assessorar a presidência na formulação de políticas, propostas e reformas estruturais para o país e participar da articulação das relações do governo com a sociedade. No governo Lula, deu representatividade à chamada Agenda Nacional de Desenvolvimento e participou da construção das medidas anticíclicas que ajudaram o Brasil a combater os efeitos da crise econômica global de 2008.

Baixar a poeira

Apesar do palpite infeliz do governo na Previdência, a transição do primeiro para o segundo ano de novo mandato apresentou sinais que podem corroborar as expectativas desses setores do empresariado e do movimento sindical.

Na política, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). E o Supremo Tribunal Federal (STF) desfez as manobras com que Cunha instalou uma comissão especial para tocar ao seu gosto o impeachment. Mesmo com fortes evidências de possuir no exterior contas não declaradas e abastecidas com dinheiro de corrupção, o parlamentar seguiu firme como líder do tapetão em curso.

A derrocada do poder de Cunha pôs água no chope dos principais nomes com ambições ao Palácio do Planalto – Michel Temer, Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin. Restou- -lhes começar o ano à procura de uma nova estratégia para manter acesas a chama da fritura da presidenta. Para isso, contam com o apoio luxuoso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não tem votos, mas costuma virar manchete ao tuitar. E há também as proporcionadas por vazamentos pinçados de alguma delação sigilosa feita ao juiz Sérgio Moro, à equipe de policiais federais e de procuradores da Operação Lava Jato.

Vista como uma ação capaz de deixar um importante legado ao país no combate à corrupção, a Lava Jato, aos olhares de gente séria do meio jurídico, padece de falta de zelo com preceitos judiciais, como direito a ampla defesa, e abuso de prisões preventivas, de delações e de parcialidade que permitem seu uso político – defeitos que podem vir a comprometer sua legalidade no futuro e, por isso, seu próprio legado. Outro desdobramento negativo da operação é ter criado o ambiente de paralisia do setor de gás e petróleo, ao envolver as maiores empresas de construção pesada e afetar integrantes de uma cadeia produtiva que movimenta 13% do PIB.

Esse aspecto o governo espera começar a reverter em breve. A Medida Provisória (MP) 703, editada em dezembro, permite a empresas alvos de investigação celebrar novos contratos com o setor público, e que os efeitos da corrupção recaiam sobre as pessoas que a praticam, e não sobre as companhias responsáveis por cerca de meio milhão de empregos diretos e indiretos.

Lado certo

A MP 703 será uma das oportunidades de o governo testar a quantas anda sua relação com o Congresso depois do ano sem tédio proporcionado, sobretudo, pela fatia infiel do PMDB liderada por Eduardo Cunha. O esforço do Planalto é recompor o apoio da base para ter um pouco de paz na política, condição para buscar a paz na economia. Divórcio, apesar das rusgas com o vice-presidente Michel Temer, nem pensar. “Pode acontecer com partes do PMDB. O próprio Cunha já se divorciou. Mas até Temer, acredito, na hora H vai ser difícil sair”, diz a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos.

“Se não tivesse eleição este ano, o PMDB talvez tivesse outras alternativas, mas a eleição fragiliza esse grupo hoje mais pró-Temer e pró-Cunha. Eles posam de fortes porque estavam num cenário muito favorável a essa composição de forças contra Dilma. Mas o cenário mudou. O PMDB acaba dando força e trazendo problemas também. Aliás, em 2015, só criou problemas. Até parece que sem ele seria melhor, mas o governo já tem dificuldade de manter maioria simples, imagine então a qualificada.”

E se precisa de pôr ordem na política para começar a arrumar a economia, Dilma também deve acenos mais concretos de que vai mexer na condução da economia para fortalecer a outra base política: a social, que a elegeu e está na linha de frente contra o impeachment. Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, o líder do MST João Pedro Stédile alerta que não basta mudar o ministro. “Nossa expectativa é de que até abril termine a novela do impeachment. Que o governo se recomponha e volte a assumir os compromissos que fez na campanha”, diz.

Para Stédile, se o governo não der sinais de que vai mudar, se autocondenará ao fracasso – e se distanciaria da imensa base social que apostou no projeto que venceu a eleição. “Espero que tenha um mínimo de visão política para escolher o lado certo. E nós estaremos juntos com o movimento sindical. Se o governo mexer na idade mínima da aposentadoria rural, haverá uma revolta no campo, e contra o governo. Estou apenas avisando.”

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