Juros altos privilegiam lucro a bancos

(Brasília) A acusação de que os juros altos do Banco Central (BC), com o Plano Real, foram talhados para sustentar banqueiros tem sido feita e ouvida há anos, mas raras vezes viu-se uma tentativa de comprovação científica da suspeita, com base em números e dados. O desafio moveu um economista da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Alberto Borges Matias, sócio de consultoria (AMB) especializada em finanças. Em estudo divulgado recentemente, concluiu que, sem juro camarada, os banqueiros quebrariam com o Real. A partir daí, o rentismo espraiou-se pelo País, boicotando tentativas de mudar a política econômica. “A política monetária centrada em elevadas taxas de juros teve que ser adotada para dar sustentabilidade ao setor financeiro brasileiro”, afirma o estudo.

A tese parte da uma constatação impressionante. O juro do BC, em 1995, foi calibrado de tal maneira que socorresse em R$ 8,6 bilhões (R$ 15 bilhões em valores de hoje) os 21 maiores bancos do país, inclusive os públicos. Até o Plano Real, que estancou a escalada de preços, as instituições ganhavam com a inflação, apropriando-se da correção monetária incidente sobre o dinheiro alheio que manejavam. Em 1994, princípio do Real, faturaram R$ 9,6 bilhões com a operação, segundo o estudo. Com os preços controlados, deixaram de arrecadar R$ 8,7 bilhões em 1995, o que abriu um rombo na contabilidade dos bancos.

Para evitar uma quebradeira bancária que desarrumasse toda a economia, o governo Fernando Henrique Cardoso aceitou pagar juros generosos pelos títulos públicos que venderia às instituições. Naquele ano, a aplicação em títulos remunerados pelo juro do BC e os empréstimos ao tomador final referenciados na mesma taxa, somados à receita com tarifas e descontados os custos de intermediação financeira, proporcionaram às 21 instituições um extra de R$ 8,6 bilhões. Exatamente o necessário para cobrir o rombo do ano anterior e afastar o risco colapso.

“O Plano conduziria o setor bancário à bancarrota, razão pela qual passou-se a conceder uma taxa de juros elevadas na emissão da dívida e, em conseqüência, nas operações de crédito. Os juros passaram a ser elevados para compensar o setor bancário pela perda do floating [ganho com a inflação]”, diz o estudo.

Socorro disseminou rentismo
O socorro oficial aos bancos há onze anos equivaleria a R$ 15 bilhões em valores de hoje. O procedimento levou as instituições a se adaptar com gosto ao novo modo de vida, de lucro polpudo e fácil, desvirtuando-as da tarefa de irrigar a economia com crédito. Os bancos botaram os empréstimos em segundo plano, para apostar em títulos. Sem se modernizar e preparar-se adequadamente para operar com crédito, montaram estruturas caras, com custo repassado integralmente ao juro final, o maior do mundo. Não por acaso o Brasil tem um volume de crédito dos mais baixos, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB).

As empresas também vislumbraram oportunidades de negócios rentáveis e foram atraídas para a aplicação em títulos. Isso teria ocorrido principalmente no comércio, que tem mais capital em caixa. Na indústria, em que há menos dinheiro disponível para aplicações rentistas, as empresas foram obrigadas a demitir e comprar máquinas, a fim de tornarem-se competitivas e saldarem compromissos financeiros cada vez mais caros. “A perpetuação das taxas de juros, haja visto o período tão longo, conduziu o país à formação de negócios orientados a ganhos financeiros, onde houvesse esta possibilidade”, afirma Borges Matias.

Em suma, a partir do Plano Real, a cultura do rentismo dominou a mentalidade dos donos do dinheiro. O governo, que iniciara a dívida para controlar a inflação e turbinou-a com juros elevados para salvar bancos, tornou-se refém da própria dívida, hoje monstruosa, de R$ 1 trilhão Daí a imensa dificuldade do governo – qualquer um – de mudar uma política econômica que sufoca o crescimento, mas beneficia interesses poderosos.

Para Borges Matias, a certeza de que os bancos – e toda a estrutura rentista operada por eles em nome de grandes capitalistas – querem e precisam de juros altos é a única perspectiva possível na análise das altas taxas básicas (Selic) definidas pelo BC. Segundo o consultor, o debate sobre o tema estará desfocado, caso se encare o juro básico como arma de controle da inflação, financiamento da dívida pública ou atração de dólares. Ele também sustenta essa última afirmação com dados e números.

O economista elaborou gráficos que comparam variação de preços, dólar e dívida com a trajetória dos juros entre janeiro de 1995 a fevereiro de 2004, período longo que permitiria chegar a conclusões válidas. O objetivo era apurar o impacto, e em qual intensidade, do juro sobe os três fatores. Isto é, verificar se juro elevado teria mesmo o poder de controlar preços, estabilizar o dólar e atrair compradores de títulos. Nos três casos, o estudo concluiu que a relação é pequena, ou seja, que juro robusto foi pouco determinante nas oscilações de inflação, dólar e dívida. Os gráficos do trabalho não deixam dúvidas sobre a conclusão.

Lei ajuda dívida mesmo com juro baixo
Ao avaliar a relação entre juro alto e dívida, o estudo aprofundou-se para mostrar que seria possível continuar rolando os pagamentos mesmo com juros baixos. Borges Matias sustenta que a taxa não precisaria ser robusta para atrair quem se disponha a financiar o débito de R$ 1 trilhão do governo por dois motivos. Um: existe legislação que obriga as instituições financeiras, como fundos de pensão, a aplicar em títulos públicos pelo menos uma parte do patrimônio. Dois: mais da metade da dívida está nas mãos de bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Nossa Caixa, Banco do Nordeste e Banrisul).

Para o economista da USP, o Brasil precisa abandonar urgentemente a anomalia em que se meteu, com parte considerável da economia voltada ao rentismo, e seguir padrões internacionais de juro. Se a taxa não cair de forma planejada, restabelecendo a normalidade econômica, o país acabará entrando nos eixo na marra. “O ajuste das economias tem se dado por planejamento ou crise, sendo que nos países emergentes, mais por crise do que por planejamento”, diz Borges Matias. “A mudança consciente e planejada é necessária e urgente”.

Fonte: André Barrocal – Carta Maior

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