Em favor dos bancos, EUA e União Europeia exigem mais arrocho na Europa

Após novo pacote, o vice-presidente do FMI, John Lipsky (antes diretor do JP Morgan Chase, dos Rockefellers), declarou que “Portugal e Espanha terão de fazer um ajuste fiscal de forma sustentada e não somente Portugal e Espanha”

Depois de telefonemas do presidente dos EUA ao presidente da França e à chanceler da Alemanha, e do estabelecimento de uma “linha de crédito” do banco central americano (FED), a União Europeia (UE) aprovou mais um pacote, dessa vez de 750 bilhões de euros (R$ 1,7 trilhão). Com o pacote da Grécia, já são 860 bilhões de euros que a UE promete atirar no buraco negro da crise.

Logo depois da aprovação, o FMI, através de seu vice-presidente, o americano John Lipsky (que antes de assumir as atuais funções era vice-presidente do JP Morgan Chase, o banco dos Rockefellers), declarou que “Portugal e Espanha terão que fazer um ajuste fiscal nos próximos anos de forma sustentada, e não somente Portugal e Espanha” – isto é, garrotear salários, aposentadorias, funcionários e investimentos públicos para pagar aos bancos que provocaram a crise.

No caso da Grécia, o dinheiro nem passará pela mão de algum grego. Os bancos retirarão o dinheiro diretamente no Banco Central Europeu. Caberá aos gregos pagarem, daquele jeito que o presidente Tancredo afirmou que era inaceitável – com o suor e a fome. Não deve ser diferente nos outros países.

Antes da crise, os bancos europeus encheram suas “carteiras” de derivativos americanos lastreados em hipotecas. Foi, aliás, devido aos problemas do banco francês BNP Paribas, quase soterrado por esses derivativos, que se deu o estampido da crise. Até então, apesar da quebra do Bear Stearns em março de 2008, os bancos dos EUA e da Europa agiam como se nada de anormal estivesse acontecendo.

Mas era à custa de empréstimos nos bancos europeus que países como Grécia, Portugal, Irlanda, e até Espanha e Itália, mantinham-se na camisa-de-força que a Alemanha costurou na UE. Portanto, a crise que eclodiu nos EUA pegou a Europa como fogo num matagal durante a seca.

MAASTRICHT

Há 18 anos, dissemos aqui no HP que o Tratado de Maastricht – que estabeleceu a União Europeia – era a germanização da Europa. Faltou, é verdade, dizer que essa germanização seria inteiramente servil ao falido poder financeiro dos EUA. Mas não se pode prever tudo…

No entanto, assim foi. Mas vejamos a situação na União Europeia:

No último relatório do FMI (World Economic Outlook, abril/2010, pág. 173) há os seguintes dados sobre as transações correntes (ou conta-corrente) dos países europeus – isto é, sobre as contas externas, a balança comercial vis-à-vis remessas, sobretudo de lucros, para o exterior:

1) A Grécia, em 2009, teve um déficit em conta-corrente de 11,2% do PIB; mas isso não é tudo – em 2002, esse déficit já era de 6,5% do PIB; em 2003, também 6,5%; em 2004: 5,8%; em 2005: 7,5%; em 2006: 11,3%; em 2007: 14,4%; em 2008: 14,6% do PIB. Em suma, a Grécia é um país, há muito, encalacrado nas contas externas.

2) A mesma coisa em Portugal. Os déficits em conta-corrente foram os seguintes: 2002 – 8,1% do PIB; 2003 – 6,1%; 2004 – 7,6%; 2005 – 9,5%; 2006 – 10%; 2007 – 9,4%; 2008 – 12,1%; e 2009 – 10,1% do PIB.

3) A Espanha é outro país afundado em déficits nas suas contas externas: 2002 – 3,3% do PIB; 2003 – 3,5%; 2004 – 5,3%; 2005 – 7,4%; 2006 – 9%; 2007 – 10%; 2008 – 9,6%; e 2009 – 5,1% do PIB.

4) A Irlanda, país cantado pelo neoliberalismo como paraíso das filiais de multinacionais, também tem déficits continuados em conta-corrente: 2002 – 1% do PIB; 2003 – zero; 2004 – 0,6%; 2005 – 3,5%; 2006 – 3,6%; 2007 – 5,3%; 2008 – 5,2%; e 2009 – 2,9% do PIB.

5) Nem um país mais industrializado, a Itália, escapou. Eis os déficits: 2002 – 0,8% do PIB; 2003 – 1,3%; 2004 – 0,9%; 2005 – 1,7%; 2006 – 2,6%; 2007 – 2,4%; 2008 – 3,4%; e 2009 – 3,4% do PIB.

6) A partir de 2005, até a França apresentou sucessivos déficits nas transações com o exterior.

7) O único país da UE que apresentou, seguidamente, superávits em conta-corrente foi, evidentemente, a Alemanha.

Mas a UE não é um país, e sim um bloco de países. E os países têm de cobrir seus déficits. Como fazem isso? Obviamente, endividando-se – nos bancos ou com outros governos. Era exatamente o que vinha acontecendo na UE há muito tempo.

Assim, a dívida (pública + privada) da Espanha, segundo os últimos dados divulgados pelo BIS, o chamado “banco central dos bancos centrais”, está em US$ 1,55 trilhão (R$ 430,405 bilhões com os governos da França, Alemanha e Inglaterra; US$ 1,125 trilhão com bancos).

A dívida de Portugal está em US$ 409,511 bilhões (US$ 140,751 bilhões com os governos da Alemanha, França e Inglaterra e US$ 268,760 bilhões com bancos).

A Irlanda está enterrada em 1 trilhão de dívidas (US$ 952,360 bilhões com bancos e US$ 108,301 bilhões com os governos da Inglaterra, Alemanha e França).

A Grécia está endividada em 471,8 bilhões (US$ 309,301 bilhões com a França, Alemanha e Inglaterra e US$ 162,588 bilhões com bancos).

A dívida da Itália vai a US$ 2 trilhões (como a Grécia, a parcela da dívida com outros governos – deve US$ 1,1 trilhão à Alemanha, França e Inglaterra – é maior do que a dívida com bancos).

Esses números são referentes ao último trimestre de 2009. Portanto, provavelmente, estão subestimados. Mas são suficientes para fornecer um quadro da situação.

TURISMO

O problema é que Maastricht significou o subdesenvolvimento econômico de alguns países (Grécia, Portugal), transformados em balneários ou colônias de férias, o entravamento da indústria de outros (Espanha, Itália) e a bordelização fiscal de algumas áreas (Irlanda). Mas esses países não deixaram de ser países, o que significa que passaram a tomar emprestado, esperando que o turismo – a única “indústria” que proliferou nesses países – rendesse o suficiente para pagar aos bancos e governos credores.

Considerando os números a partir de 2005, a UE teria que mudar mais cedo do que tarde – ou desaparecer. Mas o estouro em Wall Street encurtou esse desdobramento. Por um lado, os bancos europeus tiveram que cobrir o rombo com os derivativos. Naturalmente, fizeram isso como os bancos sempre fazem: achacando os demais clientes. Porém, a própria crise fez com que os países devedores tivessem menos condições de pagar – o turismo desaparece quando os países dos turistas estão em crise.

Como de hábito, os monopólios financeiros alemães, franceses ou ingleses não acham viável descarregar essa crise nos que a provocaram – pelo contrário, continuam tão submissos aos seus congêneres norte-americanos quanto antes, até porque são quadrilhas que disputam as sobras das quadrilhas financeiras dos EUA. Aliás, alguns são apenas formalmente europeus…

Aos norte-americanos, interessaria o esfacelamento da UE, para facilitar a sua já bastante grande intromissão na Europa. Mas já perceberam que a crise europeia irá arrastá-los, assim como eles arrastaram para ela os europeus.

Logo, a solução é descarregar o resultado de anos de vigarice econômica sobre o povo – a julgar pelas medidas impostas à Grécia, a próxima medida deve ser a recuperação de Auschwitz como instrumento econômico. Mas, já que estamos fazendo paralelos históricos, isso somente fará com que uma nova revolta contra os trinta tiranos de Atenas se estenda até a costa do Atlântico.

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