Democracia na comunicação é democracia na política, apontam especialistas

Monopólio da mídia pode ser decisivo no debate eleitoral

O site Manchetômetro, iniciativa da Universidade do Rio de Janeiro para destrinchar a cobertura dos meios de comunicação sobre as eleições, traz um levantamento das reportagens veiculadas pelo Jornal Nacional e pelos impressos Folha de São Paulo, O Globo e O Estado de São Paulo.

Com base na avaliação do que foi ao ar ou publicado entre os dias 09 e 16 de outubro, a página aponta que a vida é dura para a candidata Dilma Rousseff (PT). Somados os quatro veículos, ela teve seis coberturas favoráveis contra 79 desfavoráveis no período. Já Aécio Neves (PSDB), teve 10 favoráveis para nove desfavoráveis.

A maior goleada ocorre em O Estado de São Paulo, que publicou uma cobertura positiva para Dilma contra 32 negativas, enquanto Aécio teve cinco favoráveis contra duas negativas.

A avaliação mostra que, na ausência de uma regulação, os meios de comunicação podem ocupar lugar de partidos e impedir um processo de disputa política transparente, conforme destaca a secretária de Comunicação da CUT e coordenadora do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), Rosane Bertotti.

“A democratização da comunicação é essencial para que a mídia não seja a grande definidora dos votos no país. Para mudar isso, precisamos ter um novo marco regulatório que garanta a liberdade de expressão como um direito de todos e não somente dos que detém a concessão das emissoras de rádio e TV”, destacou.

A construção de uma nova diretriz para o setor citada por Rosane é uma reivindicação de organizações como a CUT, que integram o FNDC e lançaram uma campanha de coleta de assinaturas para o PLIP (Projeto de Lei de Iniciativa Popular) da Mídia democrática. O texto defende a consolidação de regras semelhantes as que existem em países como EUA, França, Reino Unido e Alemanha.

Entre as diretrizes do projeto estão o espaço nos meios de comunicação para a pluralidade e a diversidade de ideias e a regulamentação de artigos da Constituição Federal de 1988 (220, 221 e 223) que impedem o monopólios e oligopólios existentes no Brasil, onde um mesmo grupo comanda emissoras de rádio, TV, portais na internet e revistas.

O projeto Donos da Mídia aponta que até 2009, 271 políticos eram sócios ou diretores de 324 veículos de comunicação no Brasil. Os partidos com maior número de filiados com controle da mídia eram DEM (58), PMDB (48) e PSDB (43). Já entre as empresas, no topo do ranking estavam Grupo Abril (74 veículos) e Organizações Globo (69).

Vergonha eleitoral

Para o jornalista e presidente do Centro de Mídias Alternativas Barão de Itararé, Altamiro Borges, a concentração das mesmas ideias em diversos veículos afeta a disputa eleitoral. Se no primeiro turno a cobertura da imprensa ficou mais fragmentada por conta da imprevisibilidade sobre o segundo turno e de quem iria para a disputa com Dilma, ao definir os adversários, avalia, os editoriais e reportagens da velha mídia ganharam contornos de ataque à presidenta.

“A mídia é o grande partido da direita no Brasil”, define ele, para quem os jornalistas, diante das condições de mercado, acabam por abraçar a defesa de uma agenda definida pelos proprietários dos veículos.

“Houve um processo de precarização violentíssimo e isso gera muita insegurança. Boa parte dos jornalistas atua como PJ (pessoas jurídicas), recebe salários baixos e isso resulta em uma situação de acovardamento. Mas alguns têm levantado a voz, como o caso emblemático do Xico Sá (jornalista da Folha), que escreveu um texto criticando o ‘aecismo’ da mídia e foi censurado. Como se o Reinaldo Azevedo e a Eliane Cantanhêde (ambos também da Folha) não fizessem campanha constante contra Dillma no jornal”, comparou.

Caça às bruxas

A avaliação de Borges encontra fatos que se repetem a cada eleição. Neste ano, além do próprio desligamento de Sá, o ‘convite’ do grupo mineiro de mídia Diários Associados (proprietário do jornal Estado de Minas e concessionário da TV Alterosa) para que os trabalhadores comparecessem a uma caminhada em favor de Aécio Neves ajudaram a escancarar a relação entre patrões, jornalistas e o PSDB.

Para relembrar apenas algumas das passagens mais conhecidas, em 2007, o repórter Rodrigo Vianna não teve o contrato renovado pelo Globo após fazer críticas internas à cobertura das eleições presidenciais. No mesmo ano, o editor de economia do Jornal Nacional, Marcos Aurélio Mello, que havia retirado o nome de um abaixo-assinado divulgado por funcionários da Globo em defesa da emissora também foi demitido.

Em 2009, o jornalista Luís Nassif teve seu contrato com a TV Cultura suspenso depois de criticar o patrocínio da Sabesp a eventos de televisão no país inteiro. À época, José Serra (PSDB) era o governador de São Paulo, estado ao qual estão submetidas a empresa e a emissora, além de candidato à presidência.

Também saíram da emissora o diretor de jornalismo Gabriel Priolli e o apresentador Heródoto Barbeiro, ambos em 2011. O primeiro, depois de pautar uma reportagem sobre os valores dos pedágios em São Paulo, e o segundo, após questionar Serra no programa Roda Viva sobre o mesmo tema.

Em 2010, a psicanalista e colunista Maria Rita Khel também foi demitida depois de escrever um artigo para O Estado de São Paulo, em que criticava a desqualificação dos votos dos pobres. O jornal apoiou Serra.

Esses fatos não são mera coincidência, conforme defendeu o jornalista Luiz Carlos Azenha, que em 2006 pediu demissão da Globo por discordar da cobertura política que ataca o PT e poupa o PSDB. Para ele, mesmo após as denúncias, as referências de jornalismo continuam exatamente as mesmas na disputa eleitoral deste ano.

“Repete-se em 2014 o mesmo padrão de 2006 e 2010, de dois pesos e duas medidas. Os melhores repórteres, os melhores investigadores, as melhores equipes são direcionadas para investigar o PT, enquanto o PSDB recebe um tratamento inferior. Constatei pessoalmente, como repórter da Globo durante a cobertura das eleições, que havia manipulação e pedi para sair por estar cansado de me sujeitar a isso”, explicou.

Redações limpas

“Isso mostra um pouco a realidade das redações. Cláudio Abramo disse que em 40 anos de jornalismo nunca viu liberdade de imprensa, só de empresa”, reforça Altamiro Borges.

Para Azenha, houve uma limpeza ideológica na Globo que se espalhou por outros veículos para tirar dos meios de comunicação funcionários que tenham posição ideológica contrária a dos donos.

Segundo ele, os poucos pensamentos discordantes são utilizados para dar uma falsa ideia de pluralidade. “Não tem abertura nenhuma para mudar as redações. Na Folha tem o Guilherme Boulos (líder do MTST) e o Vladimir Safatle que são exibidos como troféus, enquanto tem 100 jornalistas de direita. Os que podem se expressar são todos de direita”, criticou.

Saída à esquerda

Altamiro Borges acredita que a consciência sobre a importância da democratização da comunicação para a democracia cresceu, mas o debate ainda não chegou à maioria da sociedade.

“Vários movimentos, como a CUT, a CTB e UNE, têm encarado essa questão como batalha estratégica, mas o debate precisa ir para as bases, porque ainda encontra obstáculos, não aparece na mídia, claro. E quando a mídia topa fazer, diz que é censura, o que é uma canalhice. Tem regulação na mídia nos EUA, no Reino Unido feita por aquela bolivariana da Elizabeth II”, ironiza.

A saída dependeria de mais iniciativa do Estado que, segundo ele deixou a desejar.

“Temos grandes grupos monopolistas que dominam toda a rede de comunicação e o governo federal financia isso. Observe a Veja, um panfleto fazendo ataques sem prova nenhuma ao PT, que não falou até hoje sobre crise da água em São Paulo e que duvido que dê capa ao Sergio Guerra (ex-presidente do PSDB), acusado de ter recebido R$ 10 milhões do Costa (Paulo Roberto Costa), cheia de propaganda da Petrobras, do Banco do Brasil. O debate deveria ser encabeçado pelo Estado como questão de direito social de acesso à informação”, disse.

A proposta levantada por Dilma nos debates sobre a regulação econômica da mídia, apesar de encarada com ceticismo por Azenha, devido à ausência de ações para construção de um marco regulatório durante a última década e de um Congresso eleito ainda mais conservador, é tratada por Borges como questão fundamental.

“É essencial porque mexe com o monopólio. Nos EUA, que a imprensa ama tanto, não existe propriedade cruzada e aqui no Brasil uma mesma empresa comanda toda a linha de produção de comunicação. Se abrir o debate econômico está bem feito e o papel dos movimentos sociais é entender que não vai avançar a luta do trabalhador enquanto não enfrentarmos a mídia. Esperamos que, se a Dilma ganhar, acorde para a importância desse tema.”

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