Crise global concentra renda e multiplica guerras e violência, denuncia CSI

Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o presidente da Confederação Sindical Internacional (CSI), professor João Antonio Felício, faz uma análise do aprofundamento da crise global, com o aumento da concentração de renda e a multiplicação das guerras e da violência pelo planeta para assegurar os privilégios do sistema financeiro e das transnacionais.

“Na Nigéria, o assassinato de milhares de inocentes pelo grupo Boko Haram é, infelizmente, exemplo do nível de degeneração destas forças mercenárias que respondem às multinacionais do petróleo e gás”, frisou. Para Felício, o movimento sindical terá papel cada vez mais estratégico na mobilização contra as medidas de austeridade – que só valem para os pobres – impostas pela Troika (o Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e pelo Banco Central Europeu), construindo uma ampla frente com os movimentos sociais em defesa dos empregos, salários e direitos.

“A recente vitória do Syriza, na Grécia, é uma resposta contundente da população, que descortina novos horizontes não só para o continente europeu, como para o mundo todo. A classe trabalhadora não aceita que o ônus da crise seja jogado nos seus ombros, particularmente sobre os mais jovens, que veem atacados seus salários, empregos e direitos, e sobre os mais velhos, que têm comprimidas suas aposentadorias. O caminho é a desconcentração da renda, com a taxação das transações financeiras, e adoção de uma política progressiva de impostos sobre grandes fortunas. Do contrário, teremos pacotes, como no Brasil e no Peru, que são uma soma de retrocessos, penalizando os mais necessitados”, sublinhou.

Pela sua experiência como presidente de uma entidade com mais de 175 milhões de filiados e representação em mais de 150 países, qual a sua percepção da crise internacional?

João Felício – O diagnóstico é o pior possível: há um aprofundamento da crise global, com o aumento da concentração de renda e a multiplicação das guerras e da violência para assegurar os privilégios do sistema financeiro e das transnacionais. Pelas projeções da ONG Oxfam – que podem inclusive estar subestimadas – a partir de 2016, a casta dos 1% mais ricos do planeta possuirá mais riqueza do que os 99% restantes. Assim, ao mesmo tempo em que temos algumas poucas famílias de bilionários com fortunas maiores ao PIB de várias nações, temos mais de um bilhão de seres humanos que sobrevivem com menos de US$ 1,25 ao dia. Para manter esta lógica irracional, o grande capital enquadra governos, utiliza exércitos regulares e mercenários, multiplicando as guerras e a violência. Na Nigéria, primeiro país produtor de petróleo da África e sexto mundial, com produção de 2,5 milhões de barris/dia, o assassinato de milhares de inocentes pelo grupo Boko Haram é, infelizmente, exemplo do nível de degeneração de forças mercenárias que respondem às multinacionais petrolíferas ocidentais. Vale sublinhar que entre as grandes beneficiadas pelo crescente clima de instabilidade está a indústria armamentista, que tem boa parte do seu dinheiro lavado em paraísos fiscais ou simplesmente sonegado, o que potencializa a máquina da corrupção e o efeito de uma sangrenta bola de neve.

O que sentes ao ver um criminoso como Netanyahu na linha de frente de uma mobilização como a do caso Charlie Edbo, em Paris?

Felício – Deve se garantir ao artista o direito de expressar suas opiniões, seja na pintura, literatura, caricatura, em toda e qualquer obra de arte. Todas as vezes que se tentou censurar, tolher a livre manifestação, os resultados foram desastrosos. Há exemplos contundentes na história das artes de perseguição e censura à livre criação. As próprias religiões em muitos momentos atuaram como censoras. Quando o Estado define o que é belo e o que é feio afeta a liberdade de expressão, pois não cabe a ele estabelecer tal conceito, mas ao artista. O melhor exemplo desta censura foi o Estado nazista. Cabe também ao artista analisar a serviço de quem está a sua obra. Se está à disposição da verdadeira liberdade de expressão ou a serviço daqueles que não a praticam, dos que a cerceiam, do obscurantismo, do fundamentalismo religioso ou do mercado. Ou se está a serviço de posições preconceituosas, racistas, xenófobas ou que levem ao desprezo de outras culturas. Condeno veementemente o assassinato dos caricaturistas franceses, independentemente da qualidade das suas caricaturas. No entanto, condeno também a demagogia e o oportunismo daqueles governantes que estavam na linha de frente da passeata de Paris. Alguns deles não garantem a liberdade de expressão em seus próprios países, nem mesmo o direito de sobrevivência de crianças, como no caso de Netanyahu, cujas mãos estão manchadas de sangue. Afinal, os bombardeios israelenses a Gaza, com o assassinato de milhares de civis, a destruição de casas, creches, escolas e hospitais, bem como a devastação de toda a infraestrutura, são crimes de guerra que não podem ficar impunes. Da mesma forma que as milhares de crianças, mulheres e idosos covardemente atacados por drones, aviões não tripulados guiados à distância, seja no Afeganistão, Líbia, Síria ou Iraque. Temos de rejeitar todo e qualquer tipo de fundamentalismo.

O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial têm pressionado em favor de medidas de “austeridade” claramente contracionistas, o que representa mais fome, miséria e desemprego. O que fazer?

Felício – Em primeiro lugar, é preciso sublinhar que essas medidas de “austeridade” só valem para os pobres. Ao aprofundarem a recessão, representam uma rajada de metralhadora nos pés do crescimento, inviabilizando uma saída para a crise. Significam mais gente no olho da rua, desespero, desnutrição. Não pode haver ninguém em sã consciência que concorde com este disparate, até porque já vivemos bastante isso durante os anos duros do neoliberalismo. No nosso entender é hora de fortalecer ainda mais o protagonismo do movimento sindical e construir uma ampla frente com os movimentos sociais em defesa dos empregos, salários e direitos. E isso vale para as Américas, África, Ásia, Europa e Oceania. No Brasil, ao atingir inúmeros direitos trabalhistas e previdenciários, o último pacote do governo é uma soma de retrocessos, medidas que se chocam com as necessidades da classe trabalhadora e do país.

A vitória do Syriza dá um novo alento?

Felício – A recente vitória do Syriza, na Grécia, é uma resposta contundente da população, que descortina novos horizontes não só para o continente europeu, como para o mundo todo. A classe trabalhadora não aceita que o ônus da crise seja jogado nos seus ombros, particularmente sobre os mais jovens, que veem atacado seus salários e direitos, e os mais velhos, que têm comprimidas suas aposentadorias. O caminho é a desconcentração da renda, com a taxação das transações financeiras e os impostos sobre grandes fortunas. Do contrário, penalizaremos os mais necessitados.

Como está a economia brasileira em relação às demais?

Felício – O fato é que em 2014 o Brasil teve um “crescimento” próximo de zero, contra uma taxa de crescimento médio dos países emergentes de 4,4%. Em 2013 havíamos crescido 2,5%, enquanto o crescimento médio da economia mundial havia sido de 3% e o dos países emergentes de 4,7%. Nos quatro anos de governo Dilma, a média do crescimento mundial foi duas vezes e meia maior que a média nacional, a dos emergentes foi quatro vezes maior. Para 2015, já tivemos três projeções do Banco Central para o PIB, reduzidas uma após a outra, e já encontra-se em 0,2%. Há os que preferem manipular estes números para justificar o injustificável. Sem pensar com a própria cabeça e caminhar com as próprias pernas ninguém chega a lugar nenhum. Ou pelo menos chega a lugares pouco recomendáveis. Acredito que é hora de fortalecer o setor nacional da economia, potencializar e estender seu raio de ação, investir no aumento da nossa capacidade produtiva.

O direito de greve é um dos colocados na marca do pênalti por setores do empresariado, particularmente por meio de ataques à Organização Internacional do Trabalho. O que fazer?

Felício – Estamos organizando para o dia 18 de fevereiro um Dia Mundial em Defesa do Direito de Greve. Desde 2012 a bancada patronal tem questionado esse direito, pressionando a todo instante pela sua desregulamentação, já que, segundo os empresários, não estaria explicitado na Convenção 87 da OIT, que estabelece o direito à liberdade de organização sindical. A greve é um instrumento de resistência frente aos abusos do capital, uma conquista histórica da classe trabalhadora. Como abrir mão deste instrumento de justiça social precisamente no momento em que mais se acirram as contradições? Por isso esta será uma das bandeiras prioritárias do próximo período. A recente greve da Volks, com a reversão das 800 demissões, demonstra a potência desta arma.

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram