(artigo) Sai o burro, entra o palhaço

(São Paulo)O sucesso externo do governo Lula é evidente, assim como o da política internacional brasileira. No segundo caso, o sucesso é tanto no sentido de se colocar como liderança dos “países emergentes” (ex-terceiro mundo no tempo da Guerra Fria), como no de diversificar a pauta e os campos de exportação no Brasil. Movida mais recentemente a etanol, ambos, Lula e Itamaraty, vêm despertando a atenção mundial. Não que o tema não provoque polêmicas nem mereça esclarecimentos, notadamente sobre se não haverá perdas na produção alimentar, ou se a expansão da cultura canavieira expandirá ainda mais a iniqüidade do sistema social que o latifúndio engendrou no Brasil.

Mas debate e polêmica são umas coisas. Do que se trata na imprensa brasileira é muitas vezes outra coisa. No caso, diante do sucesso e da importância dos contatos internacionais do presidente, sobretudo, tudo se tenta para desqualificar o sujeito desse sucesso. “Sujeito” é uma dessas palavras maravilhosas da língua portuguesa que se amoldam ao contexto com significados antagônicos. O sujeito pode se-lo de uma frase, todo poderoso a exigir a concordância do verbo. Ou pode ser o adjetivo daquele que está submetido a uma situação adversa ou constrangedora. Substantivado, esse segundo “sujeito”, sombra daquele primeiro, passa a freqüentar expressões desabonadoras como “esse sujeito”, de malquerença e maldizer. Pois é o que se faz com o presidente – de nada mais nada menos do que o Brasil, o nosso Brasil. E se tenta transforma-lo de “sujeito” de uma operação internacional de grande monta para nós e para o mundo todo, nesse “sujeitinho” que com jeito de povo vai “nos” envergonhando pelo mundo a fora.

Muitos colunistas quando se referem a Lula tentam construir a imagem do burro, do ignorante, do que não sabe nada (seja por boa, má ou nenhuma fé). É o zé povinho que o povão “botou lá”, pra desgraça e envergonhamento de nossa preclara “élite”, a mais excelsa e educada que o mundo já teve. Mas essa é uma retórica que não funciona muito quando se trata de ver o presidente do Brasil bem recebido por dirigentes de países europeus ou outros, que essa élite e seus arautos tanto louvam (e eles – os países, quero dizer, têm n razões para serem louvados) apenas para escárnio e espezinhamento do nosso.

Nessa altura então sai de cena o burro e entra o palhaço, o clown, o que não sabe se comportar, o “idéia fora do lugar” (nada a ver com a teoria do Roberto Schwarz sobre o liberalismo novecentista no Brasil). Vamos a alguns exemplos que, para não se transformarem em genéricos, neste caso terão de ser nominados.

1. Na página de 11 de setembro, o Estadão virtual deu destaque para o (sem dúvida importantíssimo!) fato de que o presidente Lula foi à recepção oferecida pelo rei Gustavo e a rainha Sílvia da Suécia de “carruagem”. Conotativamente, o ato protocolar transformou-se em “exagero de pobretão”. A reação foi pronta. Na manhã desse mesmo dia, começaram a pingar os comentários – de gente que se escondia atrás da palavra- remendo de “Anônimo”. Eis alguns: “Os bate-carteiras de Brasília visitam o povo considerado mais honesto do mundo para apresentar o que o Brasil tem de pior: incompetência, ignorância, preguiça, falta de vergonha, desonestidade e falta de visão. Espero que Lula tenha pelo menos aprendido a não jogar lixo no chão, como fez com o papel de bombom no Pará”. Outro, esse diretamente sobre Lula estar numa carruagem: “Será que os arreios não lhe machucaram as costas?”. Ainda outro: “Ele foi puxando a carruagem?”

2. O próprio texto da matéria, sem entrar em tamanhas baixarias, acabava chamando o presidente de “garoto propaganda” do etanol. Isso é de uma desfaçatez idêntica á dos comentários dos leitores que se escondiam atrás da covardia de se chamarem “anônimos”. Confunde o cidadão Lula – que qualquer um tem o direito de odiar, apreciar, criticar, elogiar, etc. , do modo como mais achar conveniente, em público (sob o risco da lei) ou em privado, quando em princípio pode se dar ao direito de extravasar – com o presidente que sim, pode ser criticado, etc. , mas não avacalhado.

3. Ainda outra coisa. Diz a advertência da página de comentários do Estadão virtual que “serão rejeitadas mensagens que desrespeitem a lei, apresentem linguagem ou material obsceno ou ofensivo, sejam de origem duvidosa”. E complementa: “A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores”. Mas se a página aceita tais comentários claramente ofensivos e os apresenta como anônimos, ela está implicitamente aceitando-os como seus também, além de pelo anonimato incitar que venham outros de igual teor.

4. Já na Folha de S. Paulo de 11 de setembro, o colunista Vinícius Torres Freire extravasou sua identificação do governante. A presença do presidente na Finlândia, onde cobrou responsabilidades dos Estados Unidos quanto à presente crise financeira mundial, é descrita com a seguinte semântica: “cena triste”, “ordinário vaudeville do oprimido”, “bobices”, “animador de auditório”. Um tom de desprezo acompanha todo o artigo, materializado na idéia de que o que um governante do terceiro mundo deveria mesmo ter feito era ter dado “uma fina e discreta esnobada nos donos do mundo rico”. Algo assim como um verdadeiro “príncipe” saberia fazer. Ao invés disso, a impressão que fica da leitura dessas assacações todas é a de que a nossa “élite” e seus arautos não perdoam ter o povo brasileiro por grande maioria ter enviado para lá o “bobo da corte”, o “palhaço” ao invés de algum dos donos do circo. É triste. Ao mesmo tempo risível.

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