Alvo do governo contra os bancos, agora, é o ‘juro invisível’

O Globo
Vivian Oswald e Demétrio Weber

BRASÍLIA – O governo prepara uma nova investida contra o custo financeiro no país. O foco, neste caso, é o juro que ninguém vê. Estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, feito com base em cruzamento de dados do Banco Central e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, mostra que o consumidor tem consciência de apenas uma pequena parcela do que paga efetivamente de juros. As famílias desembolsaram R$ 170 bilhões, mas a percepção é de apenas 1,9% desse valor, ou R$ 3,2 bilhões. O estudo tem como referência valores de 2008, ano-base do último levantamento do IBGE.

Auxiliado pela SAE, o Banco Central(BC) analisa alternativas para uma nova legislação que dê transparência ao setor financeiro e, ao mesmo tempo, abra espaço para a criação de produtos voltados para a nova classe média.

Uma ideia sobre a mesa é obrigar lojistas a mostrarem o chamado custo efetivo total (CET) das operações. Ou seja, todas as taxas embutidas nos parcelamentos, mesmo aqueles alardeados como sem juros. E deixar claro o desconto no preço à vista, que deve ser necessariamente menor que o parcelado. Embora muitos consumidores não percebam, um preço à vista igual ao parcelado significa que o valor à vista está inflado. As instituições financeiras já são obrigadas a dar transparência a essas informações desde 2007.

Para governo, inflação teria alívio

A diretora de projetos da SAE, Diana Grosner, observa que a invisibilidade dos juros é um problema que atinge todas as classes sociais.

– Mesmo a classe alta, com média de 12 anos de estudo, parece que não está conseguindo perceber o que está pagando de juros – diz Diana.

É a nova classe média que mais sofre as consequências dessas taxas escondidas, tendo em vista que usa e abusa de parcelamentos com o incentivo do próprio governo. Ciente de que essa camada da população carece de educação financeira, o Palácio do Planalto quer mudar o jogo. O assunto foi objeto de estudo apresentado pela SAE no 3º Fórum Banco Central sobre Inclusão Financeira, em novembro do ano passado. Uma das hipóteses consideradas pela SAE é que parte da população confunde endividamento com inadimplência. Assim, a dívida contraída por quem compra a prazo não seria percebida dessa forma.

É por isso que a equipe econômica discute como dar transparência aos verdadeiros juros por trás das compras sobre as quais as empresas alardeiam não incidir custo. Além de forçar uma queda adicional das taxas, a iniciativa deve ajudar a combater as pressões sobre a inflação, avaliam os técnicos.

– O objetivo é trazer a economia para a normalidade. Atuar nesse caminho é desinflacionário – diz um técnico.

Preço à vista tem que ter desconto

É comum as lojas embutirem nas compras à vista os juros que dizem deixar de cobrar nos parcelamentos. E muita gente não percebe. A analista de sistemas Adriana Portela, de 37 anos, usou o cartão de crédito para comprar roupas num shopping de Brasília, na sexta-feira. A conta ficou em R$ 98, que poderiam ser dividido em três vezes. Adriana comprou em duas parcelas e saiu convencida de que não pagou juros.

– O valor parcelado era o mesmo que à vista – conta Adriana.

Em seguida, ela própria percebeu que, se os R$ 98 podiam ser quitados em três vezes, é sinal de que havia margem para cobrar menos em duas ou uma parcela. Segundo ela, grandes lojas de roupas não costumam negociar. A situação muda no comércio de eletrodomésticos. Que o diga o arquiteto Marcos Drumond, de 37 anos. Ao comprar um aparelho de TV de 32 polegadas, ele pediu um valor mais baixo, já que se dispunha a pagar numa única vez o produto que a loja vendia em até dez prestações. Pediu e levou: em vez de R$ 1.599, gastou R$ 1.389.

O consumidor também paga taxas exorbitantes no rotativo ou no parcelamento de dívidas no cartão de crédito para compensar as supostas vendas a prazo sem juros. As administradoras de cartão alegam cobrar caro porque precisam compensar o “juro zero” de quem paga em dia. O argumento é que, entre a data da compra e o vencimento da conta, nada é cobrado do cliente.

O presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon) de Minas Gerais, Wilson Siqueira, afirma que as pessoas não devem se deixar enganar pelos preços à vista sem desconto. Quando isso acontece, segundo ele, a empresa está embutindo o custo financeiro que teria ao longo dos meses no valor à vista. E o percentual, segundo o economista, começa em 2% ao mês.

Ele cita como exemplo uma geladeira de R$ 1.599, parcelada em 12 vezes sem juros. Usando essa taxa mínima, ele calcula que há juros de pelo menos R$ 383,76 embutidos. Com essa diferença, o cliente poderia comprar um forno elétrico, por exemplo.

– A pessoa tem que pedir desconto à vista, sempre.

‘O consumidor está sendo enganado’

Segundo analistas, as montadoras de veículos adotam prática semelhante. Se um veículo custa R$ 25 mil e a concessionária fará uma promoção para vendê-lo a 0,5% ao mês, ela turbina o preço de partida para, assim, diluir os juros das parcelas mais baixas. A montadora manda uma tabela com os “juros especiais”, revela um especialista no setor.

– O consumidor está sendo enganado – disse o economista.

Na avaliação do governo, só foi possível mostrar esses custos ocultos depois que as taxas de juros reais caíram e deixaram essas distorções em evidência. Combatê-las, segundo técnicos, é uma forma de acertar outra ameaça importante que continua pairando sobre o país: a alta da inflação. O assunto deve ser motivo de conversas do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com os setores produtivos e com os bancos, que administram os cartões de crédito.

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