(Brasília) As taxas reais de juros pagas pelo governo a financiadores da dívida pública, de 14,5% em média nos últimos dez anos, impressionam. O juro médio cobrado das pessoas físicas e empresas foi de 47% ao ano, entre 2000 e abril de 2006, segundo dados fornecidos pelo Banco Central (BC). A taxa garante aos bancos brasileiros o troféu de campeões mundiais da usura e pode ser explicada pelo despreparo administrativo e por uma voraz busca por lucro que não tem similaridade com as instituições estrangeiras.
Na origem da asfixia imposta ao tomador final está a taxa básica de juros (Selic) definida pelo BC. A Selic funciona como referência de juro. É o mínimo que os bancos aceitam cobrar nos empréstimos com recursos livres, que não seguem regras, como ocorre, por exemplo, no crédito ao setor rural. Se for para esfolar menos o consumidor, preferem aplicar em título público e ganhar o juro do BC. O lucro fácil com títulos desviou as instituições financeiras da finalidade de operar crédito, encobrindo as falhas estruturais e a ganância do sistema financeiro que terminam de explicar os abusivos juros ao consumidor.
As falhas e a ganância ficam evidentes ao se analisar o chamado spread, adicional que os bancos botam em cima do juro básico na hora de calibrar o juro final. É com o spread que as instituições arrumam dinheiro para pagar funcionários e impostos, prevenir-se de calote dos tomadores de empréstimos e extrair lucros.
De
Brasileiros X estrangeiros
No estudo, o economista confrontou dados contidos nos balanços dos três maiores bancos privados brasileiros (Bradesco, Itaú e Unibanco) com os de cinco estrangeiros – Citigroup, Bank of América, Deustche Bank, Santander e HSBC. Para comparar melhor e com mais exatidão, Borges Matias usou indicador que chamou de “spread total”, entendido como o adicional sobre o juro básico somado às tarifas cobradas dos correntistas – “as taxas cobradas nos serviços funcionam como poder de barganha nas instituições em contraponto às taxas cobradas nas operações de crédito”, justifica o estudo.
Borges Matias concluiu que o spread total no Brasil é 2,5 vezes superior ao estrangeiro (11,8 pontos percentuais antes 5,1 pontos). O motivo principal são os custos dos bancos nacionais ao trabalhar com crédito ao consumidor. O spread para cobrir estes custos é de 6,22 pontos no Brasil e de 2,63 pontos no exterior. Segundo o economista, as instituições brasileiras tornaram-se despreparadas para trabalhar com empréstimos e fugiram dessa atividade, depois de descobrir o lucro fácil financiando o governo. “As despesas estruturais são elevadas no sistema nacional principalmente devido a um baixo volume de crédito total”, afirma Borges Matias. No Brasil, o crédito gira em torno de 30% do produto interno bruto (PIB). Na Europa e no Japão, supera 100%. Nos EUA e no Chile, está acima de 60%.
Além do spread associado aos empréstimos, os bancos brasileiros também botam, nas taxas de juros, spreads maiores que os estrangeiros para quitar impostos (1,5 ponto a 0,49 ponto), administrar a inadimplência (1,57 ponto a 0,52 ponto) e, principalmente, assegurar lucros (3,13 pontos a 1,37 ponto). No caso do lucro, o spread nacional é mais que o dobro do estrangeiro. A constatação prova que as instituições brasileiras são mais gananciosas que suas similares estrangeiras. “Isso é muito mais característico no Brasil”, diz a economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maryse Farhi, que não fez a afirmação baseada no estudo, mas na sua experiência em política monetária.
A ganância dos bancos brasileiros também pode ser verificada ao se comparar a trajetória dos juros básicos do BC e as taxas impostas ao consumidor. O aumento da Selic vai total e instantaneamente para o juro final, mas o mesmo não ocorre quando a taxa diminui. Os bancos aproveitam as oscilações da Selic para turbinar o lucro.
Entre setembro de 2004 e maio de 2005, o BC elevou a Selic nove vezes, num total de 3,75 pontos percentuais. No período, a taxa média cobrada pelos bancos do tomador final cresceu quatro pontos percentuais. O spread, que não tem relação com a Selic, subiu 2,2 pontos. Já de setembro de
“Há movimentos contraditórios. Quando a Selic sobe, a taxa para o tomador final sobe imediatamente. Quando cai, há uma resistência enorme à queda. Ela se dá a conta-gotas”, diz o economista da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli, ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal.
Concentração bancária
Para Piscitelli, a “contradição” traduz ganância dos bancos e explica-se pela concentração do setor. Segundo o BC, dez instituições controlam mais de 80% do crédito no Brasil. E cresce, como demonstra a recente aquisição do Bank of America pelo Itaú. Uma barreira que poderia ser colocada à concentração seria transferir a análise das fusões e aquisições bancárias do BC para o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), especializado no combate a cartéis. Mas um projeto de lei com tal proposta está parado há anos no Congresso. Não há interesse político
A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) não concorda com a avaliação de que o setor seria muito concentrado. “Não existe concentração. Me aponte um setor menos concentrado que o bancário. Nenhum outro tem 10 empresas com 80% [do mercado >”, afirma o economista-chefe da entidade, Roberto Luis Troster. Piscitelli admite que a economia brasileira é oligopolizada como um todo e ressalva: “Uma coisa é ter oligopólio de aço, outra é no aluguel do dinheiro.”
Segundo Troster, o juro alto cobrado do tomador final tem quatro motivos principais: selic elevada, tributação asfixiante, quadro institucional inadequado (dificuldade para executar garantias de devedores) e elevados compulsórios – aquela parte dos depósitos feitos nos bancos que fica obrigatoriamente retida no BC. Para baixar os juros, seria preciso mexer nas quatro variáveis, de acordo com a Febraban.
O governo atual adotou duas medidas para atacar um dos quatro fatores apontados pela Febraban, o “quadro institucional inadequado”. A aprovação de uma nova Lei de Falências, que ainda está devendo resultados (queda de juros) que mostrem que valeu à pena sacrificar direitos trabalhistas em favor dos bancos. E a criação do empréstimo com desconto no salário, o chamado crédito consignado, em dezembro de 2003. Neste caso, já houve efeitos concretos. O juro médio imposto à pessoa física era de 62% em 2002, de acordo com dados fornecidos pelo BC, e caiu a 55% em 2004, patamar mantido em 2005. Ainda abusivo, mas menor.
Fonte: Agência Carta Maior